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Por Redação O Sul | 19 de agosto de 2019
Procuradores da Operação Lava-Jato contornaram limites legais para obter informalmente dados sigilosos da Receita Federal em diferentes ocasiões nos últimos anos, segundo mensagens obtidas pelo The Intercept Brasil e analisadas pela Folha de S.Paulo e pelo site.
Os diálogos indicam que integrantes da força-tarefa do caso em Curitiba buscaram informações da Receita sem requisição formal e sem que a Justiça tivesse autorizado a quebra do sigilo fiscal das pessoas que queriam investigar.
Para obter os dados, os procuradores contaram com a cooperação do auditor fiscal Roberto Leonel, que chefiou a área de inteligência da Receita em Curitiba até 2018 e assumiu a presidência do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) no governo Jair Bolsonaro.
As mensagens examinadas pela Folha e pelo Intercept mostram que a força-tarefa estabeleceu com Leonel uma relação de trabalho tão próxima que recorreu a ele até para verificar hipóteses dos investigadores, sem que houvesse elementos objetivos para justificar o acesso a dados do Fisco.
No início de 2016, os procuradores usaram esse expediente com frequência durante as investigações sobre as reformas executadas por empreiteiras no sítio de Atibaia (SP) frequentado pelo ex-presidente Lula, caso que levou à sua segunda condenação na Justiça.
De janeiro a março desse ano, a força-tarefa pediu a Leonel que levantasse informações sobre uma nora de Lula, o caseiro do sítio, o patrimônio dos seus antigos donos e compras que a mulher do líder petista, Marisa Letícia Lula da Silva, teria feito nessa época.
Em 15 de fevereiro, o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa, sugeriu aos colegas num grupo de mensagens do Telegram que pesquisassem as declarações anuais de Imposto de Renda do caseiro Elcio Pereira Vieira, conhecido como Maradona.
“Vcs checaram o IR de Maradona? Não me surpreenderia se ele fosse funcionário fantasma de algum órgão público (comissionado)”, disse. “Pede pro Roberto Leonel dar uma olhada informal.”
O então juiz Sérgio Moro, responsável pelas ações da Lava-Jato no Paraná, autorizou a quebra do sigilo fiscal do caseiro uma semana depois. No processo que trata do sítio, não há nenhuma informação do Fisco sobre ele nem sinal de que a hipótese de Deltan tenha sido checada.
As mensagens examinadas pela Folha e pelo Intercept não permitem saber se Leonel atendeu aos pedidos, mas sugerem que o auditor era o primeiro a ser consultado sempre que a força-tarefa recebia dicas ou não tinha informações suficientes para pedir a quebra de sigilo à Justiça.
Em agosto de 2015, quando surgiram notícias de que um sobrinho de Lula fizera negócios em Angola com ajuda da Odebrecht, a primeira ideia do procurador Roberson Pozzobon foi chamar Leonel. “Quero pedir via Leonel para não dar muito na cara, tipo pescador de pesque e pague rsrsrs”, disse numa mensagem a Deltan.
Em setembro de 2016, o procurador Athayde Ribeiro Costa informou aos colegas que pedira a Leonel para averiguar se os seguranças de Lula tinham adquirido uma geladeira e um fogão em 2014 para equipar o triplex que a empreiteira OAS reformou para o líder petista em Guarujá (SP).
O procurador enviou ao auditor da Receita nomes de oito seguranças que trabalhavam para Lula e duas lojas. Não se sabe se a verificação foi feita, mas no processo que tratou do triplex, que levou à primeira condenação de Lula, ficou provado que a OAS comprara os eletrodomésticos, não ele.
A legislação brasileira permite que o Ministério Público peça informações à Receita durante investigações, mas é necessário que seus requerimentos sejam formais e fundamentados, dizem advogados consultados pela Folha. Em casos de pedidos muito abrangentes, afirmam, é preciso obter autorização da Justiça.
Auditores da Receita têm o dever de comunicar indícios de crimes que encontrem ao fiscalizar contribuintes, mas existem limites para o compartilhamento dos dados, como dois ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) indicaram recentemente.
Em julho, o presidente do STF, Dias Toffoli, suspendeu investigações baseadas em informações do Coaf, incluindo a que tem como alvo o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente. Para Toffoli, órgãos como o Coaf e a Receita só podem compartilhar sem aval da Justiça dados genéricos, sem detalhes sobre movimentações financeiras.
No início deste mês, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu investigações conduzidas pela Receita sobre 133 contribuintes, incluindo as mulheres dos ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Para Moraes, a Receita selecionou seus alvos sem ter motivo razoável para investigá-los.
Roberto Leonel criticou a decisão de Toffoli publicamente, o que levou Bolsonaro a determinar sua substituição no Coaf. O governo decidiu transferir o órgão para o BC (Banco Central). Levado para Brasília pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, que conheceu como juiz, Leonel deverá sair após a mudança do Coaf para o ao BC.