Quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025
Por Redação O Sul | 11 de fevereiro de 2025
Pouco mais de 500 metros separam, em Brasília (DF), as sedes de duas das principais firmas dedicadas a organizar eventos nos quais ministros de tribunais superiores proferem palestras, a pedido de empresas e entidades privadas. Tanto o Instituto Justiça e Cidadania (IJC) quanto o Instituto de Estudos Jurídicos Aplicados (IEJA) estão sediados em casas na quadra 26 do Lago Sul, bairro mais nobre da capital federal.
Juntas, IJC, IEJA e a Academia Brasileira de Formação e Pesquisa (ABFP), também sediada em Brasília, aparecem como organizadoras em dezenas de palestras proferidas por ministros e juízes. Em alguns deles, organizados pela ABFP, a reportagem do jornal O Estado de S. Paulo conseguiu identificar os valores dos cachês recebidos pelos magistrados, que somam mais de R$ 175 mil. As empresas não se manifestaram.
A prática de criar empresas de eventos e palestras, muitas vezes em sociedade com familiares, tem se espalhado na cúpula do Judiciário. Em alguns dos casos levantados pelo Estadão, os magistrados receberam os pagamentos por meio das pessoas jurídicas – o que reduz a cobrança de impostos sobre os cachês.
Do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro André Mendonça é dono de uma empresa de eventos por meio da qual já recebeu um cachê de R$ 50 mil, como revelado pelo Estadão. O presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, é dono de uma empresa de gerenciamento de direitos autorais de livros em parceria com os dois filhos. Os familiares de Alexandre de Moraes também possuem uma empresa do tipo, chamada Lex Instituto de Estudos Jurídicos Ltda – o ministro fazia parte da estrutura da empresa, mas se desligou ao assumir cargo no governo de São Paulo.
O ministro Kassio Nunes Marques possui uma sociedade familiar, mas sem relação com cursos e palestras. Já Gilmar Mendes é sócio de uma das principais faculdades privadas de direito do País, o IDP. Procurado, Barroso disse que sua empresa é usada para “gerir direitos autorais de obras literárias”. Mendonça e Moraes não se manifestaram.
A Constituição Federal impede os juízes de exercerem qualquer outra atividade além de julgar e dar aulas. Já a Lei Orgânica da Magistratura (Loman), herdada da ditadura militar (1964-1985), permite a juízes, desembargadores e ministros realizar atividades empresariais, desde que na condição de sócios cotistas.
Em 2021, sob a presidência do ministro Luiz Fux, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) promoveu mudanças normativas que equipararam a realização de palestras à atividade de professor, legalizando os pagamentos a magistrados. O mesmo Fux acabou com a exigência de transparência para as palestras.
Além dos ministros do STF, outros magistrados também têm empresas de palestras e cursos. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), Luís Felipe Salomão mantém desde 2018 a firma “Direito e Justiça Comércio de Livros e Eventos Jurídicos LTDA” com o filho, o advogado Rodrigo Cunha Mello Salomão. Em junho de 2021, ele recebeu R$ 9,3 mil para discursar num evento da Câmara Brasileira da Indústria da Construção, a CBIC, por meio da empresa. Em junho deste ano, o cachê do ministro subiu para R$ 42,8 mil, num evento do setor de cartórios – a contratação foi intermediada pela ABFP.
Também no STJ, o ministro Marco Buzzi é sócio do Instituto de Mediação, Gestão e Administração, junto com familiares. Por meio dela, recebeu, por exemplo, R$ 10 mil por uma palestra para servidores da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, em outubro passado. Reynaldo Fonseca, também do STJ, é dono da “SF Consultoria Acadêmica, Cursos e Eventos LTDA”, junto com familiares. Recebeu ao menos R$ 20 mil através da firma em maio deste ano, em um evento promovido pela Escola Judicial do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul.
No Tribunal Superior do Trabalho (TST), o ministro Douglas Alencar Rodrigues tem uma firma batizada com o nome latino-anglófono Scientia Academy. Em junho passado, recebeu R$ 20 mil para palestrar num evento da CBIC. Já o desembargador do TRF-1 João Carlos Mayer Soares é dono, desde julho de 2022, da empresa “Mayer Academy LTDA”, em sociedade com um empresário, mas não foram identificados pagamentos ao magistrado por meio dela.
Outros dois ministros do STJ também usaram suas empresas para receber por palestras. Antonio Saldanha Palheiro e Paulo Dias de Moura Ribeiro falaram a servidores da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, em maio e em agosto deste ano, por R$ 15 mil. Outra coincidência é que as empresas de ambos usam as iniciais dos donos: Instituto MR de Estudos Jurídicos, no caso de Moura Ribeiro, e ASP Treinamento e Desenvolvimento, de Antonio Saldanha Palheiro. Na Receita Federal, Moura Ribeiro figura como sócio-administrador de sua firma, o que é vedado pela Lei Orgânica da Magistratura. (Estadão Conteúdo)