Enquanto Legislativo e Judiciário buscam apertar o cerco contra os disparos em massa, em meio às preocupações com a eleição do ano que vem, o mecanismo mais propício à disseminação de fake news no pleito de 2018 segue sendo ofertado a preços acessíveis — os valores partem de R$ 0,05 por conteúdo enviado — e com propaganda livre inclusive nas plataformas que tentam combatê-lo.
O WhatsApp, principal aplicativo em operação no país, tem regras para banir a prática e costuma acionar a Justiça contra empresas vendedoras do serviço, que, no entanto, é apresentado até em anúncios e páginas no Facebook e Instagram — as três plataformas pertencem à mesma controladora, a Meta.
Um levantamento identificou que ao menos sete sites oferecem a possibilidade de remessas simultâneas automatizadas. As licenças são vendidas em assinaturas anuais ou trimestrais com envios ilimitados, que podem custar de R$ 129 a R$ 900, dependendo do número de computadores com acesso, ou em pacotes fechados — neste caso, 50 mil envios custam R$ 2.500. Para realizar os disparos, basta dispor de uma lista de contatos em formato de planilha.
Na avaliação de pesquisadores, o cenário expõe tanto a facilidade com que prestadores do serviço burlam proibições contra os disparos quanto as dificuldades de regulação do tema com vistas ao pleito de 2022.
Vídeos com demonstrações dos disparos são publicados no YouTube, enquanto páginas e anúncios patrocinados são encontrados com facilidade no Facebook e Instagram. Dois serviços identificados, o Zapito e o ZapFácil, são alvos de ações movidas pelo WhatsApp, ainda não julgadas — o aplicativo já acionou ao menos seis empresas na Justiça e já conquistou decisões favoráveis em primeira instância. Procurados, os responsáveis pelo Zapito e ZapFácil não retornaram.
Também na esfera jurídica, o tema voltou à tona no fim do mês passado no julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de duas ações que pediam a interrupção dos mandatos do presidente Jair Bolsonaro e do vice, Hamilton Mourão.
Os ministros arquivaram os processos, mas reconheceram que houve disparos em massa na campanha e fixaram uma tese para endurecer a aplicação da regra a partir do ano que vem, explicitando que o mecanismo levará à cassação. Quatro anos atrás, não havia uma norma específica para coibir a prática, que nos processos foi enquadrada como abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação — para haver punição máxima, seria necessário comprovar o impacto eleitoral, o que, para a Corte, não ficou claro a partir das provas colhidas.
Fácil acesso aos dados
O exemplo mais emblemático do uso do mecanismo no meio político é o da campanha presidencial vitoriosa em 2018, mas não é o único. No ano passado, o WhatsApp derrubou contas ligadas ao PT; dois anos antes, o então deputado federal Laudívio Carvalho reconheceu que havia contratado o serviço. Na era anterior aos aplicativos, uma enxurrada de torpedos associando Jandira Feghalli, então candidata ao Senado, à defesa do aborto, foi atribuída à campanha de Francisco Dornelles, que concorria à mesma vaga e foi eleito.
Em reação ao que ocorrera em 2018, o TSE editou uma resolução no fim de 2019, que já valeu no pleito municipal do ano passado, vedando os disparos em massa como meio de propaganda eleitoral. Agora, o Congresso quer dar mais um passo e incluir a proibição na legislação. O texto em análise na Câmara, que deve ser votado em plenário até o fim do mês, estabelece que os serviços como WhatsApp e Telegram devem “impedir a distribuição massiva de conteúdos e mídias” e proíbe a venda de softwares e outras tecnologias que permitam os disparos.
Pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), João Guilherme Bastos explica que o mercado de disparos em massa tem serviços que podem ser executados de diferentes formas, desde “fazendas de celulares”, em que são feitos envios de mensagens com auxílio humano, até softwares mais sofisticados com sistemas que organizam em planilhas os contatos e automatizam os disparos. O pesquisador destaca que, no centro desse mercado, está o uso indevido de dados pessoais, que ocorre principalmente a partir de vazamentos.
“São necessários dados pessoais para fazer a renovação do exército de chips de celular quando são bloqueados pelo WhatsApp e, na outra ponta, dos dados para segmentar o envio dessas mensagens”, diz Bastos, que defende a adoção de medidas mais rígidas para a proteção das informações pessoais.
Coordenadora do NetLab, laboratório vinculado à Escola de Comunicação da UFRJ, Rose Marie Santini afirma que “falta transparência” às plataformas:
“Preocupa o fato de que, no WhatsApp e Telegram, a criptografia de ponta a ponta permite que autores, destinatários e compartilhadores de informações falsas ou hostis escapem de punições e permaneçam invisíveis.”
O WhatsApp afirmou que, além de combater os anúncios com ações judiciais, conta com um sistema “identifica padrões não humanos ou automatizados de comportamento e derruba as contas detectadas por violação aos termos de serviço”. As alternativas disponibilizadas pelo WhatsApp para o envio da mesma mensagem a mais de um contato são os grupos ou listas de transmissão — o limite de contas atingidas é 256.