Segunda-feira, 27 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 25 de janeiro de 2025
Se você enfrentar um evento cardiovascular ou ficar constatado que seu risco de infarto ou AVC é elevado, o médico provavelmente traçará metas de LDL (popularmente chamado de colesterol ruim) e também de pressão arterial para protegê-lo. “Mas, quem sabe, além delas, vamos ter que começar a falar de metas de proteína C reativa [molécula marcadora de inflamação]”, comentou o cardiologista Remo Furtado, diretor de pesquisa clínica do BCRI/Med.IQ e professor colaborador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), durante o evento “A Year In Review – Cardiologia” da Med.IQ, no final do ano passado.
Quando ouvi sobre a proteína C reativa, fiquei curioso e confuso. Afinal, quando se fala em doenças cardiovasculares, geralmente são citados os chamados fatores de risco tradicionais, como hipertensão, colesterol LDL elevado, obesidade, diabetes e tabagismo.
Mas a verdade é que eles não contam toda a história. Tanto que, apesar de vários avanços da medicina cardiovascular dos últimos anos, essas doenças seguem entre as principais causas de morte e incapacidade no mundo todo.
“As terapias que temos hoje são muito boas, mas você não consegue zerar a doença cardiovascular”, fala o cardiologista Raul Santos, diretor da Unidade Clínica de Lípides do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da USP, que não fez parte do evento da Med.IQ. Segundo ele, por exemplo, com o controle do colesterol e da pressão e o uso de drogas antiplaquetárias [que buscam impedir a formação de coágulos sanguíneos nas artérias], é possível reduzir metade dos eventos cardiovasculares recorrentes, mas entre 45% e 50% das pessoas vão passar por isso novamente.
É o que os médicos chamam de risco residual (ou seja, que continua existindo mesmo ao controlar os fatores de risco tradicionais). Parte dele pode ser explicado justamente pela inflamação.
Isso é especialmente verdade para a aterosclerose, na qual, ao longo do tempo, depósitos de várias substâncias – em especial gordura, mas também de células inflamatórias – formam placas nas artérias. O resultado é uma redução no fluxo sanguíneo, que pode levar a uma obstrução – causando problemas como infarto (interrupção do fluxo sanguíneo para o coração) e acidente vascular cerebral (falta ou redução do suprimento de sangue no cérebro).
Vale dizer que, em certa medida, a inflamação também é uma boa amiga, já que sinaliza para o organismo que ele precisa combater uma infecção ou lesão. Quando falamos de doença cardiovascular, porém, o grande problema é o processo inflamatório de níveis mais baixos e que se sustenta por longos períodos (que é chamada de inflamação crônica). Estudos vêm mostrando que ela tem um papel crucial no desenvolvimento e na progressão das doenças cardiovasculares, e pode ser um preditor de risco importante mesmo em pessoas aparentemente saudáveis.
Por que, então, não estamos acostumados a ouvir sobre ela? Há várias possíveis explicações. Para começar, ao contrário dos fatores clássicos, a sua influência no sistema cardiovascular foi descrita há menos tempo — só nos anos 1990 a aterosclerose foi descrita como uma doença também inflamatória. Outro ponto é que, embora estudos venham mostrando que reduzir a inflamação ajuda a controlar o risco cardíaco, transformar esses achados em tratamentos reais e eficazes ainda é um grande desafio.
Contudo, os recentes avanços de novas drogas anti-inflamatórias indicam que isso pode estar prestes a mudar.
A proteína C reativa
O interesse nos níveis de proteína C reativa (PCR) tem flutuado ao longo dos anos desde que sua relação com as doenças cardiovasculares foi relatada, de acordo com especialistas. Essa molécula, por si só, não parece causar o problema. Produzida principalmente pelo fígado, ela aumenta durante qualquer situação em que haja inflamação. Ou seja, é um sinal de que algo diferente está acontecendo (um biomarcador de inflamação).
Tudo começou em 1997, quando Paul Ridker, junto à uma equipe, publicou um estudo que mostrou que homens aparentemente saudáveis com níveis mais elevados de PCR no sangue corriam um risco maior de infarto e AVC. E não se tratava de uma elevação tão alta como ocorre no caso de uma infecção. “É como se fosse uma microinflamação”, descreve Furtado.
Dois anos depois, Russel Ross descreveu a aterosclerose como uma doença inflamatória, desafiando a compreensão da época sobre as placas que se depositam nas artérias.
Foi o “primeiro boom” do interesse dos cardiologistas na PCR, de acordo com Santos. Ocorre que, segundo ele, a influência dessa proteína na reclassificação de risco cardiovascular de um paciente era modesta. “Tinha um poder de reclassificação de cerca de 15%. Se eu fizer uma tomografia cardíaca e encontrar calcificação na coronária, ela é de quase 50%, 55%.”
O uso da droga, porém, não avançou porque ela era muito cara e foram observadas infecções nos pacientes, o que não foi bom, de acordo com Santos. “A inflamação não existe só pra fazer mal”, lembra. As informações são do portal O Globo.