Quinta-feira, 30 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 20 de fevereiro de 2023
“Em 11 de janeiro, meu mundo acabou. Não consigo nem dormir direito. Perdi praticamente tudo. Até hoje não tinha comentado com ninguém. Está sendo muito difícil”, desabafou Pedro Henrique, pequeno comerciante de bebidas e barman de Petrópolis (RJ).
Ele entrou na Bolsa de Valores em 2020, quando a taxa Selic caiu a 2% e tirou a atratividade dos produtos de renda fixa. Naquele ano, investimentos atrelados ao CDI (taxa próxima à Selic) renderam 2,76%. A poupança teve uma rentabilidade ainda menor, de 2,11%, enquanto a inflação de 4,52% engolia os rendimentos reais, segundo dados do TradeMap.
O comerciante perdeu mais de R$ 91,9 mil com a derrocada das ações da Americanas (AMER3) após a empresa relatar, em 11 de janeiro, a descoberta de “inconsistências contábeis”. Desde então, do patamar de R$ 12, antes do rombo, os papéis chegaram às mínimas de R$ 0,64 em 20 de janeiro.
A quantia perdida por Pedro Henrique corresponde a mais de 90% das reservas que ele juntou durante quase seis anos trabalhando como barman e revendendo jogos de videogame. No total, investiu R$ 93.655,84 na compra dos ativos.
Na sua curta trajetória na Bolsa, o investidor deu preferência para duas empresas: Ambev e Americanas, ambas atreladas aos megaempresários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, sócios da 3G Capital, nos quais se inspirava. “Eu trabalho muito com bebidas e falar de Ambev é falar de tudo que está ali no meu dia a dia. Aí você começa a estudar quem são os donos dessas marcas. O trio me passava confiança”, afirma.
Pedro Henrique começou aplicando cerca de R$ 5 mil. À medida que as ações registravam quedas, foi aportando mais e mais em busca de fazer um “preço médio” mais baixo – até ficar totalmente exposto. Ou seja, investiu toda a sua reserva nos ativos.
A última compra foi em janeiro de 2022, no patamar de R$ 30, mas a desvalorização não cessou. Em 2021 e 2022, a AMER3 cedeu 89%. O comerciante parou de comprar.
Desvalorização
Apesar de não fazer novos aportes, acompanhava o mercado e ficou feliz quando foi anunciado que Sergio Rial, ex-CEO do Santander, assumiria a presidência da varejista no início de 2023. “Pensei que a ação fosse disparar”, diz o empreendedor. “Aliás, a Americanas tem os caras mais ricos do País. Não achei que poderia praticamente quebrar.”
Foi Rial quem identificou e divulgou as inconsistências nos balanços, após dez dias no cargo, e em seguida renunciou. Um escândalo que resultou em queda de mais de 70% no pregão seguinte ao fato relevante que revelou o rombo contábil.
Pedro Henrique está longe de ser o único a ter prejuízos por conta do colapso da varejistas. Existem, porém, algumas estratégias que podem ajudam os investidores a se proteger.
Reserva
Antes de investir em Bolsa, é necessário ter uma reserva de emergência – aquele capital que ficará na renda fixa, em investimentos com liquidez diária (que pode ser resgatado no mesmo dia da solicitação) e que o investidor só irá mexer em situações imprevisíveis e urgentes, como desemprego e gasto com saúde, por exemplo.
Separada essa reserva, caso tenha perfil, o investidor pode partir para os ativos de risco. Mesmo assim, não é indicado que o montante delimitado para renda variável seja totalmente investido num único ativo. Diversificação é fundamental para garantir que o acionista não perderá tudo numa crise.
“Quando o investidor escolhe a renda variável, deve entender que é um ambiente de imprevisibilidade. Ao investir em Bolsa, a possibilidade de ganhos expressivos é maior. Em contrapartida, há o risco de perdas”, afirma Ernani Reis, analista da Ágora Investimentos.
Outro equívoco diz respeito a como e quando fazer preço médio. Conforme as ações caíam, Pedro Henrique foi comprando cada vez mais AMER3 em busca de diminuir o preço médio pago por cada papel. Entretanto, não é porque uma ação recuou que está barata.
“Esse é o ponto principal: saber quanto vale uma ação. Se você sabe, não ficará comprando só porque o papel caiu”, diz Leandro Siqueira, da Varos. O especialista deu um exemplo.
Imagine que alguém compra, impulsivamente, ações por R$ 80. Depois, descobre que, na realidade, os papéis valem R$ 20. “Se a ação cair de R$ 80 para R$ 60, o investidor não deve comprar mais para ‘fazer preço médio’, pois a ação continua cara”, afirma Siqueira.
Hoje, o barman diz que não admira mais os acionistas da Americanas. Por mais que tenha cometido erros, não esperava ter de lidar com a dor de perder todo o patrimônio. O livro Sonho Grande, escrito pelo trio, virou um elefante branco em casa. “Até livro dos caras eu tinha”, lamenta.