Qualquer um pode dizer, com todo o sentido, que se morasse na Argentina, não votaria em Javier Milei. Pode-se começar pelo fato de que Milei usa costeletas e além disso, parece que não penteia o cabelo. É que por essas e outras o chamam, desde sempre, de “ El Loco “. O seu programa de governo parece ter sido elaborado em meio a um bom “bife de chorizo” e meia dúzia de garrafas de um Malbec de Mendoza – uma colcha de retalhos ajuntados sem maior ordem e coerência. Governará em minoria no Parlamento e desde agora sente na nuca o bafo dos ruidosos sindicatos peronistas.
Mas qual era a alternativa? Sérgio Massa? Só na Argentina um ministro da Fazenda deixa uma inflação de 140 por cento nos últimos doze meses, e ainda assim é um candidato competitivo. Um peronista, justicialista, a força política dominante anos e anos no país platino, e que o levou ao atoleiro em que se encontra. Faz muito tempo não é que ande de lado, a Argentina retrocede, fica mais pobre e desigual, perde relevância, restando aos argentinos apenas a antiga pose.
No que vai dar isso tudo? Bem, se há algo de imprevisível esse é exatamente o caso do protagonista. Ninguém sabe direito para onde aponta a bússola do novo presidente. Por exemplo, prometer que vai retomar as Malvinas é um surto e uma temeridade. Que vai dolarizar a economia, uma operação de alta complexidade e de altíssimo risco de dar errada, é uma aposta inconsequente – nem há o dinheiro necessário para bancar a transição. O único fato a seu favor: pior do que está não fica.
Não chega a surpreender que Milei já tenha se desculpado com vários líderes mundiais que ofendeu durante a campanha. A Argentina precisa mais do mundo do que o mundo da Argentina. O isolamento, a animosidade nunca são aconselháveis, e menos ainda para quem anda tão mal das pernas. Os insultos do candidato já foram devidamente contabilizados como arroubos da campanha – vários dos insultados podem ser aliados preciosos no esforço de recuperação.
Mesmo com Lula, a quem Milei xingou de comunista, bandido e ladrão, o argentino arregalou, dizendo que o brasileiro seria bem-vindo na posse. Milei não é tão louco assim.
O fato é que Milei não tem muita margem de manobra. Ele fala em privatizações, mas o que um aeronauta da Aerolíneas Argentinas disse é uma amostra – dramática, como gostam os argentinos – das dificuldades que ele vai enfrentar: “privatização da Aerolíneas só se nos matarem”.
É claro que a saída seria um governo de unidade nacional em que os setores mais relevantes do país – os políticos, os agentes econômicos, os sindicatos de trabalhadores – fossem capazes de alinhar os pontos de uma grande concertação. Mas aí não há como escapar de um período de transição – e de sacrifícios comuns. É fácil deduzir que os hermanos estão cansados, acham que já atingiram o fundo do poço, e que depois dele não há nenhum alçapão.
Milei não tem as qualidades para liderar um pacto que mobilize a nação. Pelo que mostrou até aqui, já eleito, o figurino é o de um homem ao qual falta firmeza de ideias e de propósitos, e cujas definições mudam conforme os ventos austrais.