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Carlos Alberto Chiarelli Minha intimidade com a Argentina

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Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Passo de los Libres, Curuçu Cuatia, Alvear, Yapeju, todos vizinhos mais próximos porque ligados ao Brasil pela ponte internacional em Uruguaiana. Para os argentinos, foi a região de onde iniciou sua luta emancipacionista o herói nacional San Martin. Atravessar o caudaloso Rio Uruguai não era só um fato; era um feito. Fanáticos partidários dos ditadores populistas, Getúlio Vargas e Juan Domingo Perón contribuíram para que se erguera a ponte internacional, se reforçou o grupo das Chibeiras e aumentou o enriquecimento dos contrabandistas históricos de pneus. Era o tempo que, na margem brasileira, estava solitária, mas desafiadora a indústria por excelência. Por estranho que pareça, ali funcionava uma refinaria petrolífera, que, com o passar dos tempos, mudou de Uruguaiana para Rio Grande e foi a base da poderosa organização empresarial Ipiranga.

É verdade que conheci Buenos Aires com 12 anos, antes de Porto Alegre. La Nación, respeitável jornal de prestígio no continente, líamos no almoço e, na página de futebol, eu torcia pelo San Lorenzo. Aliás, sendo parceiro nessa preferência do Papa Francisco. O Boca, tão falado atualmente, o River e o Racing estavam “ocupados” pelo meu pai e pelos meus irmãos como torcedores. As Missões – falo de Posadas –, conheci primeiro o lado deles. São Miguel, Santo Ângelo, etc. fui conhecer depois.

As estradas correntinas e missioneiras eram melhores que as nossas; por isso, aventurei-me um pouco mais. Ouvia, é claro, a rádio local de Uruguaiana: a Charrua, cuja programação principal eram os avisos diários para a população rural. Do lado argentino, em Libres, havia uma emissora forte (LT 12) e participava da cadeia nacional radiofônica “azul y blanca”, capitaneada pela rádio Belgrano, de Buenos Aires. Enfim, com a ponte, em Libres, havia três regimentos do exército e um dos gendarmes. Uruguaiana também tinha três regimentos do exército e um quartel dos fuzileiros navais (a banda era nacionalmente famosa). Havia moças brasileiras que namoravam os oficiais argentinos e muchachas correntinas que eram pololas dos militares brasileiros. Ouvi – morei em Uruguaiana até entrar na universidade, aos 17 anos – continuadas histórias e estórias da oscilante vida política argentina. Falava-se de generais que se envolviam diretamente na política (Farrell e Justo, etc.), destacando uma mobilização popular muito forte com o surgimento del Pocho, que não era mais do que o coronel Perón.

Surgindo com um discurso popularesco, dizendo que lançava o peronismo (que “foi sendo explicado pelo justicialismo”: coisa que muito pouca gente entendeu), assumiu o poder do país, fortalecendo, de maneira evidente, a CGT (Central General de Trabalhadores), que passou a ter uma forte influência nas decisões de governo. Perón falava em um nacionalismo, ao mesmo tempo em que a Argentina ficava neutra na 2ª Grande Guerra, e se tornou, pela força do seu comércio, da sua indústria e, basicamente, por sua riqueza agro pastoril, a 5ª ou 6ª nação do mundo em matéria de riqueza.

Ocorreu um fato que ajudou muito essa força econômica assumida pela Argentina. Muitos grandes empresários europeus, bem como titulares de fortunas mal havidas na Europa, ante a insegurança trazida pela Guerra, chagaram à conclusão que os nossos vizinhos representavam um ponto de visível atração para investimento de recursos. Surpreendentemente, essa jornada para proteger fortunas de várias origens e feitios seduziu tanto judeus milionários – predominantemente vindos da Alemanha –, como empresários até nazistas, que fugiam da derrota na Guerra. Nesse interim, destaca-se no país a figura de Eva Duarte, que se transforma em Eva Duarte de Perón – cantora de rádios interioranos e de boates de 2º nível. Conquista Perón, surpreende o milionário patronato, pedante, portenho e, face a crescente liderança, mostra um carisma político igual ou maior do que o do coronel. Radicalizou Evita, como era chamada, o confronto entre mais ricos e mais pobres. Fez desses últimos a sua massa de manobra e daqueles os rivais a quem culpava pela criminosa desigualdade existente no país. Fortaleceu a CGT e passou a cobrar imperativamente, ao fazer visitas as damas milionárias portenhas, contribuições de grande porte para ajudar instituições que ela tinha sob seu comando.

Evita falava para todos, todos os dias, em todas as emissoras. Era a cadeia nacional da primeira dama, sempre destacando pobres e mulheres. Na verdade, entre pobres e a baixa classe média, fez-se mais querida que o marido. Perón, esperto, deu-lhe forças. O lema da nação que se repetia a toda hora nas emissoras dirigidas pelo governo era: “Perón cumple, Evita dignifica”. Surgiu, de autor peronista, a peça teatral Evita, com uma música tema que ganhou os teatros da Europa e fez dela uma mistura de líder política e heroína dos mais pobres. Segundo se dizia, a convivência do casal estava sendo prejudicada pela disputa intensa de poder entre ambos. O fato não se comprovou claramente, porque antes da ruptura, chegou o câncer que matou Evita. Com a sua morte, começou um novo capítulo, que, ainda hoje, tem influência na eleição de domingo. Perón, liberado, passou a ser um matinal e veloz motociclista que costumava dar caronas a moças simpáticas na velocidade que a Costaneira permitisse.
É complicado quando o presente nega o passado ou, de repente, quer reconstruir, talvez pior; ou quando o passado quer fazer um futuro que nunca se construiu e que continua indefinido. Resolver essa equação, talvez de três incógnitas (dois candidatos e uma população), só poderá ocorrer na hora da apuração.

 

Carlos Alberto Chiarelli – Advogado e ex-ministro da Educação

carolchiarelli@hotmail.com

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

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