Entre setembro de 2020 e janeiro de 2021, o governo federal distribuiu 420 mil doses de hidroxicloroquina para tratar pacientes com Covid-19. Até o momento, não há evidência científica de que o medicamento tenha qualquer eficácia no tratamento da doença.
Segundo documentos obtidos pela CNN, o recurso para a produção e distribuição desses medicamentos saiu do fundo emergencial para combate à pandemia. O ministro Benjamin Zymler, do TCU (Tribunal de Contas da União), deu 15 dias para o Comando do Exército e o Ministério da Saúde prestarem esclarecimentos sobre a produção e distribuição de cloroquina no País.
O pedido de informações foi remetido na segunda-feira (08), conforme informou a analista Renata Agostini. O Exército também precisará esclarecer se ainda há estoque da hidroxicloroquina doada pelos Estados Unidos e a estimativa de produção de cloroquina 150 mg para o ano de 2021.
Tratamento precoce
Em maio do ano passado, o Ministério da Saúde recomendou a cloroquina para o tratamento precoce da Covid-19 e, em junho, estendeu a recomendação para crianças e mulheres grávidas, no mesmo dia em que a FDA (Food and Drug Administration, órgão americano equivalente à Anvisa) revogou a autorização de uso emergencial do medicamento nos Estados Unidos.
Dois dias depois, em 17 de junho, a Sociedade Brasileira de Doenças Infecciosas publicou carta aberta dizendo ser “urgente e necessário” suspender o uso da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19. O Ministério da Saúde, no entanto, manteve as recomendações nos meses seguintes e médicos relataram terem sido pressionados a prescrevê-la.
Em setembro, a pasta confirmou que estava em processo de aquisição de mais cloroquina com recursos destinados ao combate à Covid-19, pois o estoque havia caído. O ministério não especificou a quantidade pedida nem o custo da mercadoria.
“Em 2020, o programa de malária teve um aumento no número de casos no Brasil e, como tem sido anunciado diariamente, o número de casos de Covid-19 no Brasil ainda é alto”, disse o Ministério da Saúde em resposta por escrito. “Portanto, a expectativa é que a demanda dos estados e municípios por esse medicamento continue alta no segundo semestre de 2020.”
O Ministério da Saúde não informou qual parte foi usada para o programa de malária e qual parte seria para o chamado tratamento precoce contra a Covid-19, mas, de acordo com dados obtidos, 3,23 milhões de comprimidos foram produzidos pela unidade farmacêutica do Exército brasileiro em 2020. Em 2017, foram produzidos 220 mil comprimidos e em 2018 e 2019, nenhum.
Segundo números do próprio Ministério da Saúde, foram registrados 60.713 casos de malária nos primeiros seis meses de 2020, 16% abaixo do primeiro semestre de 2019. Documentos obtidos pela CNN por meio da Lei de Acesso à Informação mostram também que, entre abril e agosto, o ministério solicitou 1,5 milhão de comprimidos de cloroquina para serem distribuídos às Secretarias Estaduais de Saúde pelo Exército.
De acordo com os documentos, a distribuição teve como objetivo “combater a pandemia Covid-19” com base no número de casos suspeitos em cada estado. Em setembro de 2020, a CNN teve acesso a um contrato que mostra que o Exército gastou R$ 782,4 mil com a matéria-prima necessária para a produção da cloroquina, pagando 167% acima do valor de mercado – uma compra que foi sinalizada como suspeita pelo Escritório de Contabilidade Geral Federal.
Em nota, o Exército disse que os preços subiram por causa das oscilações da taxa de câmbio e do aumento da demanda internacional.