Sem saber que era gravado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse nesta terça-feira (27) que “o chinês” criou a Covid-19 e ainda produziu vacinas de eficácia mais baixa do que aquelas desenvolvidas por farmacêuticas dos Estados Unidos. A fala de Guedes, durante reunião do Consu (Conselho de Saúde Suplementar), ecoa uma teoria bolsonarista difundida nas redes sociais de que a China desenvolveu o vírus em laboratório com interesses econômicos.
Além de Guedes, também estavam na reunião do conselho os ministros da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, da Saúde, Marcelo Queiroga, e da Justiça, Anderson Torres, além de representantes da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). Nenhum dos dois ministros, incluindo o da Saúde, corrigiu Guedes.
Parte da reunião foi transmitida em redes sociais do Ministério da Saúde. O vídeo foi interrompido após os ministros perceberem a gravação. As imagens não estão mais disponíveis. Críticas semelhantes às feitas por Guedes levaram à queda de Ernesto Araújo do Ministério de Relações Exteriores. Ele ficou inviabilizado por prejudicar as relações com os chineses, principalmente no momento em que o País depende de vacinas e matérias-primas dos asiáticos.
O ministro Ramos teria afirmado na reunião preferir a vacina de Oxford/AstraZeneca do que a Coronavac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac e entregue no Brasil pelo Instituto Butantan, órgão ligado ao governo de São Paulo.
As falas dos ministros ocorrem no momento em que o Senado realizava a primeira reunião da CPI da Covid (Comissão Parlamentar de Inquérito), que vai investigar atrasos do governo federal na aquisição de imunizantes.
Além disso, o Brasil é dependente da importação de insumos farmacêuticos ativos da China para a produção tanto da Coronavac como da vacina de Oxford/AstraZeneca, na Fiocruz. Polêmicas com os chineses envolvendo o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo foram apontadas como motivo para atraso do envio de produtos ao País.
Na reunião, Guedes também disse que o SUS (Sistema Único de Saúde) é ineficaz e defendeu o uso da rede privada para atender pacientes de Covid-19. A reunião do Consu dita justamente regras ao setor coberto por planos de saúde.
Ao citar a China, Guedes defendia que o setor público é menos eficaz que o privado. O ministro disse que o SUS não deve dar conta de atender a população nos próximos anos e comparou este cenário com o da educação. Ele afirmou que percebeu, anos atrás, que o governo estava falhando e decidiu investir na educação privada. “Eu prevejo o mesmo para saúde”, disse titular da Economia.
Na sequência, o ministro afirmou que há “duas formas de ajudar o pobre”. A primeira, na visão de Guedes, seria “direto na veia”, em referência ao auxílio emergencial. O outro caminho é a “forma antiga de Brasília”, mais indireta, com empréstimo de recurso a banco público, que passaria por outros intermediários até chegar na população. “Um dia, dos R$ 100 que você emprestou, chega R$ 1 no pobre”, afirmou o ministro sem saber que a conversa era transmitida.
Para ilustrar a suposta crise na educação pública, Guedes disse que as universidades ensinam “Paulo Freire, sexo para criança de 5 anos” e que há maconha e bebidas nas unidades de ensino mantidas pelo governo.
Ao defender novo caminho para o financiamento da saúde, Guedes disse que um “voucher” poderia ser distribuído para a população usar até mesmo hospitais privados. “Você é pobre? Você está doente? Está aqui seu voucher. Vai no Einsten se você quiser”, afirmou o ministro, em referência ao Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
Já Ramos disse que tem estimulado o presidente Jair Bolsonaro a se vacinar. Aos 66 anos, Bolsonaro poderia se vacinar desde o começo de abril, quando o DF passou a distribuir doses para o público desta idade. Guedes, que tem 71, foi vacinado no mês passado, com a Coronavac.
Bolsonaro disse que não compraria vacina
Ao aprovar o uso do imunizante chinês no Brasil, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) apontou que a vacina é segura. Bolsonaro, porém, já desacreditou a Coronavac e disse que não compraria o produto pela origem chinesa. “Da China nós não compraremos. É decisão minha. Não acredito que ela transmita segurança suficiente a população pela sua origem, esse é o pensamento nosso”, disse Bolsonaro, em 21 de outubro, em entrevista à Jovem Pan.
Segundo dados do Ministério da Saúde, mais de 70% das 57,9 milhões de doses de vacinas entregues no Brasil até agora são da Coronavac. Além disso, o insumo usado pela Fiocruz para produzir a vacina de Oxford/AstraZeneca é importado da China.
Procuradas, Casa Civil, Economia e embaixada chinesa ainda não se manifestaram.