Esta semana foi especial para a moda no nosso estado: aconteceu a primeira edição do Rio Grande do Sul Fashion Week, evento oficial do Circuito Nacional, botando a moda gaúcha na vitrine. Para mim, foi uma honra não só ser uma das embaixadoras, mas principalmente ter a oportunidade de falar sobre um tema que me é muito caro: a relação entre moda e cultura.
Quem me conhece da TV e das redes sociais não costuma saber de um “segredo” meu: sou mestre em cultura (e até comecei a cursar o doutorado). E como não poderia deixar de ser, a minha dissertação foi sobre esse tema, defendendo a inclusão da moda como passível de ser beneficiada pela lei estadual de incentivo à cultura. Logo, foi um prazer retomar essa paixão e dividir com o público lá presente uma noção que poucos têm: moda e cultura andam de braços dados. Uma não vive sem a outra.
Por que saber isso importa? Para que paremos de achar que falar de moda é fútil e superficial. Primeiramente, porque é um mercado que movimenta trilhões de dólares no mundo inteiro – ou seja, é um baita setor para a economia. Segundo, porque há muito mais por trás da escolha do vestuário do que se imagina.
Para começar, temos que distinguir o conceito de moda do de roupa. Roupa é a peça funcional que o ser humano utiliza há milênios para se cobrir e se proteger das intempéries. Moda, por sua vez, é toda a complexa equação que reúne o modo de usar roupas (e acessórios) em um determinado período de tempo e espaço, como forma não verbal de comunicação.
Um rápido giro pela sua história nos ensina que a moda propriamente dita surgiu em meados do século XV, no início do Renascimento europeu. Se, até então, as pessoas apenas se cobriam com tecidos, couros e peles (roupas), a partir dali, as cortes passaram a servir de inspiração para o desenvolvimento de estilos: tecidos, texturas e novos pigmentos passaram a ser experimentados. É importante mencionar que, quanto mais rico, maiores as possibilidades de criar variações – daí o porquê de nos primórdios a moda advir das altas classes. Determinadas cores, aliás, eram próprias da nobreza – afinal, só ela tinha dinheiro para “bancar” os insumos necessários para a criação do pigmento, como o roxo, por exemplo.
Mas todos querem crescer na vida, não é mesmo? Então a burguesia (que não era nobre, mas era rica) passou a imitar o estilo da corte, estimulando o surgimento de toda uma classe trabalhadora de costureiros. Com a Revolução Industrial no século XVIII, o custo dos tecidos diminuiu e a invenção das máquinas de costura em 1850 revolucionou o mundo da moda.
Vamos fazer um “fast forward” no século XX, quando se vê uma aceleração inédita nesse processo: a moda acompanha, a passos galopantes, a mudança da sociedade. Da necessidade de sobriedade e praticidade de roupas na I Guerra Mundial aos revolucionários estilos dos loucos anos 1920 (eu diria que a moda quis ser quase catártica nesse momento); da imposição ao uso de trajes funcionais, quando as mulheres tiveram que assumir os postos de trabalho na II Guerra Mundial aos rodados e opulentos vestidos Dior do Pós-Guerra (aí eu diria que as mulheres voltaram a se permitir sonhar e serem, novamente, femininas); das influências espaciais dos anos 1960 (não por acaso, a década da Corrida Espacial) ao visual hippie (paz e amor pautavam os movimentos populares)… ufa! A moda acompanha os anseios e provoca, como forma de expressão que é.
De fato, a moda permite comunicar sem nada falar. Tudo o que envolve o seu repertório é repleto de símbolos: as cores têm efeitos psicológicos diferentes, determinadas peças são próprias de certas origens culturais, há detalhes e jeitos de usar que fazem com que se criem… estilos. Ou seja, a moda é, ao fim e ao cabo, um meio para o pertencimento, uma forma de criar uma identidade própria, vinculada a ideias e símbolos de grupos ou vertentes com as quais cada um de nós se identifica, expressando-se por meio de suas escolhas diárias de vestuário.
Até mesmo o jogo político faz uso da moda, retomando, vez ou outra, imagens que ficam lá adormecidas em nossos subconscientes. Ou você ainda não percebeu que 9 entre 10 primeiras-damas invocam a Jackie Kennedy de dentro de si para tentar fazer bonito junto com a população? E o fazem bem, porque, no imaginário coletivo, foi essa a grande primeira-dama do mundo, um ícone de beleza, uma viúva inesquecível, que carregou o legado de seus dias de glória até o final. Uma mulher que, com o seu estilo e com base nos anseios da sociedade da época, fez moda.
E é por isso que a moda importa. Porque é uma forma de ler a sociedade, mesmo que ela não diga palavra alguma.
Ali Klemt
Apresentadora de TV