Segunda-feira, 18 de novembro de 2024
Por Edson Bündchen | 30 de novembro de 2023
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
No ainda conflagrado ambiente político que vivemos em nosso País, alguns gatilhos reacendem antigos debates, aguçam o gênio da intolerância e demonstram o quanto é precipitado imaginar que a guerra ideológica que colocou a esquerda e a direita em polos diametralmente opostos esteja superada. A eleição de Javier Milei para a presidência da Argentina, por exemplo, deflagrou um confronto nas redes sociais e nos debates de modo geral que relembra os momentos mais quentes da última campanha presidencial no Brasil.
O que estaria por trás da recalcitrância intolerante que perdura e até se intensifica com o passar do tempo, não apenas por aqui, mas em vários lugares do mundo? Cientistas políticos, sociólogos, psicólogos, jornalistas e demais interessados têm pautado o enfoque em razões de cunho econômico, cultural e de costumes como os vetores mais expressivos da atual segregação das pessoas por razões políticas. Contudo, uma investigação mais laboriosa poderá nos levar a conclusões surpreendentes. É isso que fez o professor americano Jonathan Haidt, ao escrutinar a mente moralista dos indivíduos como objeto de sua ampla pesquisa para compreender um pouco mais o que justifica o atual recrudescimento da polarização da política americana, mas que serve como parâmetro para outras realidades também.
Haidt, assim como Baruch Spinoza, em seu Tratado Político de 1676, não se contenta com julgamentos superficiais. “Procurei escrupulosamente, disse Spinoza, não rir, não chorar, nem detestar as ações humanas, mas entendê-las”. É, essa busca e não o simples julgamento, que pode tornar mais claro alguns porquês de pessoas, muitas de um mesmo “habitat”, enxergarem com lentes morais tão diferentes os fatos que povoam a paisagem política em curso.
Em seu livro, A Mente Moralista, Haidt explora as bases psicológicas da moralidade humana, destacando a influência de intuições morais inatas e as diferenças culturais na forma como as pessoas percebem o certo e o errado. Também apresenta, sob ampla perspectiva, a teoria dos fundamentos morais e argumenta que nossa moralidade é moldada por uma combinação de evolução biológica e influências culturais. Ampara-se nas mais recentes pesquisas em neurociência, psicologia social e modelagem evolutiva para tristemente ficar com a percepção de que somos todos hipócritas moralistas. Em vez de adotar uma perspectiva mais aberta e generosa, tendemos a nos entrincheirar naquilo que nossa moralidade abraça com mais fervor, cambaleando pela vida em busca de significado e conexão. Ele ainda destaca a importância da compreensão mútua entre pessoas com diferentes perspectivas morais para promover um diálogo construtivo. Não é isso que geralmente observamos, senão até pelo contrário. Existe um apelo pelo sectarismo e posições moderadas muitas vezes são tomadas como vacilantes. Premia-se o voluntarismo e poucos elogios são dados para quem busca, justamente, trazer a pluralidade de opiniões como elemento aglutinador.
Para mergulhar na mente moralista, a pesquisa de Jonathan Haidt confronta seis grandes blocos dentro de uma matriz moral que abrange as diferentes perspectivas. O mosaico de sabores morais contém as perspectivas “cuidado x dano, equidade x trapaça, lealdade x traição, autoridade x subversão, santidade x degradação e liberdade x opressão. São esses os alicerces que formam a base da teoria moral de Haidt. As variações culturais e individuais na ênfase dada a esses alicerces é que contribuem para as diferenças éticas observadas entre as sociedades e os indivíduos.
Com um olhar mais inclusivo, talvez possamos domar melhor nosso ímpeto original de reparar no cisco que está no olho de terceiros e descuidar da viga que atravessa nossos próprios olhos. Não há um modelo pronto e acabado para uma boa convivência entre nós. O moralismo, a fofoca e os julgamentos morais continuarão existindo, mas precisamos acrescentar um pouco mais de psicologia moral e maior compreensão dos fenômenos que nos governam para que algum avança seja possível.
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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