Terça-feira, 29 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 6 de fevereiro de 2023
Sem reajuste desde 2015, a tabela do Imposto de Renda (IR) chegou à maior defasagem de sua série histórica: 148,10%. Atualmente, quem ganha mais de R$ 1.903,99 mensais está sujeito a prestar contas ao leão. Devido à alta da inflação e o reajuste do salário-mínimo de 2023, fixado em R$ 1.302, os trabalhadores de baixa renda, que ganham um salário e meio, estarão obrigados a declarar o IR. Especialistas alertam que o valor destinado ao pagamento do tributo pode fazer falta no orçamento familiar.
De acordo com levantamento feito pelos Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil, a distorção na tabela do Imposto de Renda “retirou, nos últimos 12 meses, mais de R$ 100 bilhões da renda dos trabalhadores”. Na contramão deste cenário, que afeta a população mais pobre e a classe média no Brasil, os “mais ricos deixaram de pagar, neste mesmo período, mais de R$ 121 bilhões de IR devido a isenção de lucros e dividendos”.
“O Brasil é um dos países mais injustos do mundo no assunto de estrutura tributária. Tributa-se o consumo em demasia, impactando de maneira mais contundente os mais necessitados, e tributa-se de maneira errônea a renda”, aponta o economista Rica Mello.
Com a falta da correção na tabela, os trabalhadores de baixa renda são as próximas vítimas do IR. Neste ano, são isentos das contribuições apenas aqueles com rendimento de até R$ 1.903,98. No entanto, os cidadãos que têm renda acima desse valor já são tributados a alíquota de 7,5%.
“Isso pode parecer pouco, mas a incidência do tributo, ainda que em valores baixos, como R$20 ou R$30, já pode impactar o orçamento de famílias de renda mais baixa, pois deixariam de poder gastar com alimentação ou outros gastos básicos”, alerta o André Mendes Moreira, advogado tributarista e sócio do escritório Sacha Calmon e Misabel Derzi (SCMD).
Com o novo grupo sendo inserido e tendo a sua renda abocanhada pelo leão, o economista Rica Mello chama a atenção para a qualidade da alimentação das famílias brasileiras. “A renda líquida disponível destas famílias diminui, gerando um efeito devastador, dado à forte relevância da alocação de recursos das famílias mais pobres na compra de alimentos que acabam sofrendo pressão para baixo, reduzindo a quantidade e a qualidade da comida disponível à essas famílias”, disse.
“Além disso, a falta de correção (…) perpetua o perfil injusto do imposto sobre a renda brasileira que acaba por pesar de maneira mais contundente na parcela mais pobre da população, ao invés de cobrar mais dos mais ricos a fim de corrigir parte da injustiça social que aflige o país”, acrescenta Mello.
Um estudo realizado pela Associação Nacional dos Auditores da Receita Federal do Brasil (Unafisco), publicado em janeiro de 2023, aponta que 18 milhões de brasileiros se beneficiariam da isenção da cobrança do IR neste ano se a tabela fosse corrigida integralmente pela inflação desde 1996. Ficariam isentos todos com rendas tributáveis não superiores a R$ 4.723,77.
No documento da Unafisco, a correção a partir de 1996 foi calculada levando em conta a aplicação do Plano Real (1994), quando houve o congelamento da Tabela Progressiva do Imposto de Renda Pessoa Física (Tabela do IRPF) no período 1996 a 2001.
“Ao contrário do que vinha acontecendo até 1995, quando sofria ajustes periódicos, a Tabela do IRPF não foi reajustada entre 1996 e 2001. A partir de 1º de janeiro de 1996, os valores da tabela, antes expressos em Unidades Fiscais de Referência (UFIR), foram convertidos em reais”, aponta a Unafisco.
O grande problema é que os valores da tabela estão defasados, o que preocupa os trabalhadores. Outro fator que contribui para que pessoas de baixa renda ingressem na faixa de desconto do imposto é a inflação. De acordo com o cálculo feito pelo Sindicato dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional), com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que encerrou 2022 acumulando 5,79%, a falta de correção da tabela tem gerado um aumento da tributação justamente sobre quem tem menor poder aquisitivo.
Na época em que a tabela passou pela última correção, quando foi estabelecido o valor para R$ 1.903,98, essa quantia representava cerca de 2,5 vezes o salário-mínimo, fixado em R$ 788 em 2015.
Segundo Mello, apesar dos aumentos anuais no salário-mínimo, o seu poder de compra caiu ao longo dos anos, “em especial para os mais pobres, dado o forte aumento em alguns segmentos muito relevantes a essa camada da população, como é o caso dos alimentos”.
“Adicionalmente, por não haver correção da tabela de imposto de renda, parte desses aumentos de salário, concedidos para cobrir gastos maiores provenientes da alta dos preços, acaba sendo repassada ao governo, diminuindo a capacidade de compra dessas famílias”, ressalta.