Sexta-feira, 14 de março de 2025
Por Redação O Sul | 28 de junho de 2022
A morte de ao menos 51 pessoas sufocadas em um caminhão na cidade de San Antonio, no Texas, é retrato de um problema maior na fronteira Sul dos Estados Unidos, onde o número de imigrantes sem documentos detidos bate recordes consecutivos. A questão gera um problema político para o pressionado presidente Joe Biden, cujas tentativas de se livrar dos resquícios da controvertida política imigratória do ex-presidente Donald Trump são barradas pela Justiça.
Até esta terça-feira, três pessoas haviam sido detidas por suposto envolvimento no incidente no Texas, classificado por Biden como uma “trágica perda de vidas” – entre eles o motorista, que foi detido enquanto deixava o local a pé e agora está sob custódia federal. O caso é investigado pelo Departamento de Segurança Interna.
“[Os traficantes humanos] não têm respeito pelas vidas que poem em risco e exploram por lucro”, disse o líder americano, em comunicado. “Esse incidente ressalta a necessidade de ir atrás dessa indústria criminosa multibilionária de contrabando que caça os imigrantes e causa muitas mortes de inocentes.”
Outras 16 pessoas encontradas no veículo e nos seus arredores, incluindo quatro crianças, foram levadas para hospitais da região com sintomas de insolação e desidratação. De acordo com o chefe dos Bombeiros da cidade, Charles Hood, seus corpos estavam “quentes ao toque”.
Ao menos três pessoas internadas não resistiram. Entre os mortos, há 39 homens e 12 mulheres, mas alguns deles podem ser adolescentes, segundo autoridades do condado de Bexar, onde fica San Antonio.
O número de vítimas é alto até mesmo para incidentes envolvendo o tráfico de pessoas. Recorrentes ao longo dos anos, eles ganharam força diante das restrições draconianas para ingressar no país e a demora no processamento dos casos pendentes. No centro do problema está o chamado Título 42, parte do Código Sanitário americano que permite ao governo proibir a entrada nos EUA quando há “um sério perigo de uma nova doença ser introduzida” no país.
Posta em vigor por Trump em março de 2020, no início da pandemia da Covid-19, ele permite a expulsão rápida da maior parte daqueles que cruzam a fronteira, incluindo solicitantes de asilo, enviando-os de volta para o México ou para seus países de origem. Desde que Biden chegou ao Salão Oval, em 21 de janeiro de 2021, mais de um milhão de pessoas já foram expulsas sob essa justificativa.
Ainda assim, o fato de sua aplicação ser desigual, já que o governo ordenou que não seja mais aplicada a famílias e menores desacompanhados, gera esperança e faz com que os imigrantes repitam o trajeto múltiplas vezes. De acordo com dados oficiais, cerca de três em cada dez adultos que tentam cruzar a fronteira já o fizeram pelo menos uma vez. Alguns estão em sua décima tentativa.
Isso explica porque um número crescente de imigrantes recorre a traficantes humanos e coiotes, a quem pagam dezenas de milhares de dólares. Justifica também os recordes de apreensões na fronteira com o México: entre setembro de 2020 e setembro de 2021, o ano fiscal americano, mais de 1,7 milhão de imigrantes foram detidos pelas autoridades americanas, o que já foi um recorde histórico.
Até maio deste ano, faltando quatro meses para acabar o ano fiscal de 2022, as detenções já passavam de 1,5 milhão, segundo dados do Departamento de Alfândega e Proteção de Fronteira (CBP, na sigla em inglês). Apenas no mês passado, foram mais de 239 mil pessoas detidas.
E, se antes os números tinham seu pico nos meses da primavera boreal e reduziam no verão, devido às altas temperaturas, isso não aconteceu em 2021, quando o ápice veio em julho. O temor das autoridades é que o mesmo aconteça neste ano.
Segundo o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, 22 dos mortos na segunda seriam mexicanos, sete guatemaltecos, dois hondurenhos e 19 com nacionalidades ainda desconhecidas. Ele classificou o incidente — um dos piores do tipo na História americana — como uma “desgraça tremenda”, afirmando que seu governo realizará as investigações necessárias e ajudará no traslado dos corpos.
“Quero expressar minhas condolências mais profundas às famílias dos mexicanos, guatemaltecos e hondurenhos que morreram ontem asfixiados”, afirmou López Obrador, afirmando que o assunto será pautado durante seu encontro com Biden, no dia 12 de julho. “Tais fatos lamentavelmente (…) têm a ver com a situação de pobreza, de desespero de pessoas da América Central, de mexicanos.”
As nacionalidades listadas por Obrador não são uma coincidência: os mexicanos são historicamente o grupo que tenta cruzar a fronteira para o país vizinho em maior volume. No ano fiscal de 2021, foram mais de 655,5 mil detidos. Neste ano, já foram mais de 560,5 mil, segundo dados do CBP. Trata-se de um dilema para Washington, que depende cada vez mais do governo de López Obrador para bloquear o acesso de caravanas ao território americano. As informações são do jornal O Globo.