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Por Redação O Sul | 12 de fevereiro de 2022
Febre seguida de tosse e mais alguns espirros. Poucos dias depois, a pele começa a exibir manchas avermelhadas por toda a parte. Estes foram os sinais que 481 famílias brasileiras notaram em crianças e adolescentes de 0 a 14 anos ao longo do ano passado. A causa do desconforto dos meninos e meninas tem nome: sarampo.
Doença altamente transmissível que chegou a ser varrida do País por um curto período, emplacou um retorno ruidoso, com direito a surtos, centenas de casos e lamentáveis mortes. Em 2021 foram duas vítimas.
A volta do sarampo evidencia o quanto é difícil tirar uma doença de circulação. O País, explica Carla Domingues, ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações, teve desde 1992 uma estratégia em curso para eliminar a doença.
“Até 2015, os casos eram pontuais, chamados de importados. As pessoas tinham a doença, chegavam ao Brasil, mas a transmissão local não ocorria. Com a diminuição da cobertura vacinal, criou-se condições para que a doença voltasse a circular”, diz.
O local e o global
Embora convenha observar a doença com especial cautela no Brasil — afinal, a situação epidemiológica nos afeta diretamente — , o trabalho de erradicação (quer dizer, o fim definitivo) de uma doença ultrapassa as fronteiras nacionais e requer um esforço coordenado mundialmente. Para se ter uma ideia da complexidade da missão, somente uma infecção em toda a história teve este fim: a varíola.
Erradicada do mundo em 1980, a doença teve o fim decretado após o sucesso de programas de rastreio e vacinação. Um dos mais importantes foi lançado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1967, ao custo de US$ 300 milhões .
Os ganhos, contudo, são inestimáveis do ponto de vista da saúde pública por conterem um único raciocínio: nunca mais existir a preocupação com essa doença. Mas também é possível pôr na ponta do lápis o tamanho dessa conquista. A mesma OMS avalia que o fim da varíola levou à economia de 1 bilhão de dólares anuais que seriam gastos na lida com a doença.
Se antes já não era fácil chegar a um ponto em que dava para sonhar em livrar o mundo de uma enfermidade, agora ficou ainda mais complicado. O avanço da covid comprometeu campanhas de vacinação, assim como funcionou como uma indesejável primavera para o fortalecimento de grupos antivacina.
“Quando a pessoa deixa de acreditar em uma vacina, causa prejuízo nas demais. Minha primeira percepção é que teremos impacto (desses discursos)”, afirmou Meiruze Freitas, diretora da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Em várias partes do mundo, ainda há ainda conflitos locais que emperram a chegada de uma vacinação total e irrestrita à população de maneira generalizada.
Na mira
Apesar dos problemas, pelo menos duas doenças continuam a figurar como candidatas a desaparecer: a poliomielite e o sarampo.
“Há uma oportunidade muito real de erradicar a pólio de uma vez por todas, mas isso somente se os esforços forem sustentados”, afirmou o porta-voz da OMS sobre o tema, Oliver Rosenbauer.
De acordo com o especialista, se a imunização geral for concluída “o vírus não terá onde se esconder, pois só sobrevive em humanos, e sua circulação será interrompida”.
“O problema é que o trabalho de vacinação é boicotado por conflitos, além de questões políticas e religiosas. Não basta ter vacina segura, eficaz e disponível, há outros aspectos que complicam a questão”, afirma Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações.
Por ser considerada endêmica no Paquistão e no Afeganistão, a doença exige que autoridades sanitárias de diferentes partes, do Brasil inclusive, não afrouxem as coberturas vacinais. Por aqui, infelizmente, o trabalho tem deixado a desejar.
Abrir mão das aplicações de vacina contra a poliomielite — os índices de crianças imunizadas no Brasil caíram de 98% para 76% entre 2015 e 2020 — dá brecha para a chegada de uma doença capaz de causar sequelas permanentes, dolorosas e debilitantes.
O próprio Ministério da Saúde enumera seus efeitos: atrofia da fala, dificuldade para falar, paralisia das pernas e dos músculos da deglutição, entre outros graves problemas.
“Não é brincadeira. Precisamos aumentar essa cobertura. Caso contrário, ainda falaremos muito de pólio no Brasil. É uma doença muito triste”, diz Luiza Helena Falleiros, presidente da Câmara Técnica de Certificação da Erradicação da Poliomielite no Brasil junto à Organização Pan-Americana da Saúde. Meiruze Freitas, da Anvisa, faz coro e vê uma certa “acomodação” para que a vacinação tenha desacelerado desta forma no País nos últimos anos.