Nesses dias de quarentena nossa percepção de tempo anda fora do lugar. Alguns planos e objetivos tiveram que ser adiados, muitos ainda sem nem mesmo uma data prevista para acontecerem. Estávamos vivendo em um ritmo acelerado, de repente o mercado parou, as escolas fecharam, veio o silêncio na cidade e uma sensação de estarmos estagnados, vendo os dias simplesmente passar. Ao mesmo tempo, estamos vivendo uma grande transformação mundial e tentamos nos adaptar a cada dia.
Quando vivemos a possibilidade da perda, o diagnóstico de uma doença grave, uma separação ou um momento de instabilidade, como o de agora, passamos pelas mesmas fase do luto: Negação, Raiva, Barganha, Depressão e Aceitação. Elas não necessariamente acontecem nesse mesma ordem, tudo é muito dinâmico. É importante conhecermos essas fases para reconhecer nossos sentimentos e nosso estado emocional.
Devemos ficar atentos para não preencher essa sensação de vazio e de tédio de uma forma inadequada. Sabemos através de pesquisas recentes, que o consumo de álcool, cigarro e outras drogas já aumentou no período de isolamento prolongado. Além disso, a compulsão por comida, pornografia, jogos on-line e até mesmo compras impulsivas pela internet é preocupante. Também, as vendas de benzodiazepínicos, os famosos tarjas pretas, e de antidepressivos já aumentaram em Porto Alegre, e muitas pessoas estão equivocadamente se auto-medicando para sintomas psiquiátricos, como insônia e irritabilidade, no lugar de procurar um especialista para ajudar.
Outro exemplo de uma forma inadequada de como algumas pessoas estão lidando com esta crise é projetando seu medo e consequentemente sua raiva nas outras pessoas. Idosos, que por algum motivo precisam sair de casa, são rechaçados por quem passa. Nas redes sociais, posts inflamados e conversas em grupos on-line, muitas vezes são colocadas de forma agressiva e desrespeitosas. No caso das pessoas que foram contaminadas pelo COVID-19, há relatos de terem sido estigmatizadas pelos próprios vizinhos durante o período de convalescença.
Assim como no estágio mais evoluído do luto, devemos aceitar que estamos vivendo um momento de muitas frustrações e que as mudanças vão acontecer. Sem acreditar na ilusão de que somos vítimas das circunstâncias, sendo pró-ativos, colocando prioridades nas tarefas do dia a dia, vivendo o agora, resolvendo o que está sob nosso controle, uma coisa de cada vez. Podemos aproveitar esse tempo para valorizar os momentos em família, o maior convívio com os filhos, para praticar a espiritualidade e a solidariedade. Quando servimos e somos úteis para a nossa comunidade, nos sentimos gratificados e fortalecidos, o que ajuda a diminuir a sensação de impotência, ansiedade e
frustração.
Essa também é uma oportunidade para aqueles que querem se reinventar, fazer algo novo e desafiador. Criar um novo hábito pode ser muito interessante, como ler biografias de pessoas inspiradoras e resilientes nos ajuda a colocar os nossos problemas em perspectiva e nos dá mais força para agir com coragem, persistência, disciplina e esperança. Devemos, mais do que nunca, seguir nossos valores e nossa essência, com integridade entre o que pensamos, sentimos e agimos para continuar no caminho da evolução em direção à pessoa que desejamos ser.
Por fim, se conseguirmos nos adaptar aos novos hábitos, mudanças de comportamento e medidas sanitárias com mais facilidade, teremos mais sucesso. Espero que elas venham espontaneamente da população e não de cima para baixo. Como já disse Charles Darwin: “Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente. Quem sobrevive é o mais disposto à mudança”.
Dra. Mariana Pedrini Uebel
CRM 26829
Psiquiatra da Infância, Adolescência e Adultos
PhD em Psiquiatria pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Fellowship em Psiquiatria pela Columbia University of NY
Pós-Doutorado em Psiquiatria pela UNIFESP