Domingo, 22 de dezembro de 2024
Por Filipo Studzinski Perotto | 31 de março de 2020
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Desde terça-feira (23) os franceses enfrentam regras mais restritivas de confinamento, depois do pronunciamento feito na véspera pelo primeiro-ministro Edouard Philippe, que na sexta-feira (27) anunciou também o prolongamento da quarentena por pelo menos mais duas semanas. Para sair de casa, os franceses precisam estar munidos de uma atestação explicando o motivo da saída.
São tolerados, por exemplo, os deslocamentos para o local de trabalho, se o teletrabalho não é possível, e as saídas para fazer compras de primeira necessidade. Também é permitido sair num raio de até um quilômetro de casa para tomar ar ou fazer esporte, mas sempre de forma individual. A violação dessas regras é punida com uma multa de 135 euros, e em caso de repetidas reincidências, pode levar à prisão.
No Brasil, dissonância
Enquanto governadores e prefeitos tomam iniciativas para garantir o confinamento das pessoas, e assim reduzir a velocidade de propagação do vírus, o governo federal mostra inconstância na gestão da crise. O presidente, em seu pronunciamento de quarta-feira (24), minimizou a gravidade da pandemia. Politicamente, tal estratégia o isola ainda mais, retrancado atrás de um grupo cada vez menor, mesmo que igualmente aguerrido, de apoiadores. Pegou tão mal que na quinta-feira (25) o vice-presidente fez outra declaração dizendo o contrário.
A aposta do presidente é a de que novos medicamentos atenuarão o número de mortos. Se tiver razão, sem quarentena, o Brasil reduziria o impacto fulminante da crise econômica que vai seguir a crise sanitária. Resta saber quem é que está louco: se é ele, ou se são centenas de governos pelo mundo que estão adotando medidas de confinamento.
Cloroquina: uma aposta de risco
Bolsonaro sugeriu em uma de suas “lives”, e na carona de Trump, que a cura já existe: um remédio chamado “cloroquina”, que é usado contra a malária, e que, segundo um estudo publicado pela equipe do professor Didier Raoult, do Instituto Hospitalar Universitário de Marselha, seria eficaz contra o Covid-19.
O professor Raoult é, sem dúvida, uma referência mundial no estudo da microbiologia, entretanto, sua postura não faz unanimidade entre seus pares. Quem conhece o meio acadêmico sabe que a ciência é também feita de política e marketing. A imprensa francesa também tem se mostrado reticente frente às declarações do professor Raoult, que na terça-feira (24) se retirou de forma conflituosa do comitê cientifico que aconselha o presidente Emmanuel Macron.
O artigo da equipe de Marselha com os dados otimistas sobre o uso da hidroxicloroquina contra o covid-19 foi publicado num jornal cientifico que é editado por um de seus colegas do IHM, e que é também coautor da pesquisa. O artigo foi publicado apressadamente, parecendo querer adiantar-se a outros estudos sobre a mesma molécula. Além disso, o número de pacientes testados foi pequeno para se tirar conclusões estatísticas confiáveis: apenas 20, dos quais um morreu, e outros 5 tiveram que interromper o tratamento devido à complicações e efeitos colaterais.
Luiz Vicente Rizzo, médico do Hospital Albert Einstein, e que participa da equipe brasileira que testa a eficácia da hidroxicloroquina, pediu cautela e declarou que, por enquanto, trata-se apenas de uma ilusão. Pesquisadores chineses do Instituto de Virologia de Wuhan já haviam publicado sobre o uso da cloroquina (e também de outros medicamentos) no tratamento do Covid-19, também observando resultados positivos, mas nunca vendendo uma “cura milagrosa”.
Esse Covid-19, e o estrago que está causando e ainda vai causar, não é brincadeira. Isso justifica, sem dúvida, que aceleremos ao máximo a busca por novos tratamentos e mesmo sua utilização experimental. O desafio nesse momento é conseguir discernir, em meio à tanta notícia, o que é ciência e o que é política (sem contar os fake news!).
Filipo Studzinski Perotto
* FSP nasceu em Porto Alegre, mas reside na França desde 2010, participando de movimentos intelectuais de esquerda em ambos os países, é atualmente pesquisador na Universidade de Toulouse.
** Este artigo é de minha inteira responsabilidade cível e criminal, não refletindo a opinião do jornal O Sul. Esclareço que sua publicação não implica ônus a qualquer título ao jornal O Sul.
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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