Meio do ano está aí, inevitável a reflexão. Já se passou metade de 2020 e ainda estamos em casa, a maioria trabalhando de forma remota, crianças sem ir à escola, quase tudo fechado ou funcionando a meio pau. Todos manejando de nos mantermos vivos, trabalhando para garantir subsistência, tentando manter, ao menos, o mínimo funcionando e o máximo de semelhança com nossas vidas de antes. Duro, mas nada é como era antes da covid 19. Tudo é adaptado e restrito.
Tenho escutado muitos relatos de pacientes e amigos cansados. Concordo, também me sinto cansada; passamos por várias fases nesse primeiro semestre, semelhantes às fases do luto descritas por Elisabeth Kubler-Ross: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação.
Oscilamos entre estados depressivos de medo, tristeza, de compaixão por aqueles que perderam pessoas queridas nessa pandemia, empatia por aqueles que perderam seus trabalhos, sua liberdade e dignidade e também transitamos em estados mentais de negação, de vontade de sair por aí, de fazer aglomeração e de até mesmo duvidar da existência do covid.
O trabalho emocional foi grande e desafiador até aqui, tanto pela nova doença em si, que abalou o mundo, quanto por toda a sujeira que já existia debaixo do tapete no Brasil e que essa ventania só fez soprar nos nossos olhos.
Aproveitadores e saqueadores desse nosso grande País não nos pouparam mesmo em um momento como este. Roubalheira na compra de respiradores, na montagem de hospitais de campanha, má gestão de crise, violação de direitos individuais, censura, medidas restritivas totalmente arbitrárias, tentativas de golpe político, dentre outros. Acho que daria um livro se fôssemos citar todos os absurdos a que fomos expostos só nessa primeira metade do ano. Pensando melhor talvez esse livro até já tenha sido escrito: A Revolta de Atlas. O gigante cansou de carregar o mundo nos seus ombros, na ficção de Ayn Rand, onde cidadãos produtivos cansaram de um governo corrupto.
Morei em Boston nos Estados Unidos por 3 anos e quando resolvi voltar decidi não deixar mais o Brasil. Vi que essa era a minha terra, meu país, minha cidade, onde está a minha família e os meus amigos. É o lugar onde as ruas me trazem lembranças, onde caminho e me sinto em casa, enfim é onde minha vida (que na melhor das hipóteses, já está também provavelmente no meio) faz sentido.
Então, apesar da fadiga, a outra metade de 2020 vem aí e escrevo para tentarmos encontrar forças para a nova demanda. Que sigamos fortes para resistir a covid e todas as agruras decorrentes dela, mas, sobretudo, que tenhamos força e disposição para seguirmos lutando pelo fim da corrupção, pela democracia, pelo fim dos abusos do STF, pelos nossos filhos e brasileirinhos por aí a fora.
Desejo força de gigante a todos nós! Vamos precisar!
Cláudia Fam Carvalho
Médica Psiquiatra e Psicoterapeuta