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Ali Klemt Não é entulho

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(Foto: Ali Klemt)

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Essa semana fui a Canoas. Mais de um mês depois de as águas terem engolido a parte da cidade próxima ao lago Guaíba, nada, ainda, voltou ao normal.

Visitei um salão de beleza que tenta se recuperar e ressurgir da lama. O cenário é, ainda, devastador. Onde a água atingiu quase 3 metros de altura – acreditem! -, ela também carregou o que via pela frente. E o resultado é uma região que parece um cenário de guerra. Ruas tomadas por entulho. Só que o entulho não é lixo: é a história da vida das pessoas.

Entre pedaços de madeira, vemos itens de casa, brinquedos, roupas. Quadros e fotografias. Enfeites. Peças que foram escolhidas, que foram amadas. Bens que foram postos dentro de espaços, que representavam momentos e tornavam imóveis não apenas casas, mas lares.

É desolador.

Vi um cofre de porquinho. Não tinha economias dentro, mas ele certamente carregava histórias. E doeu. Machucou o meu coração.

Você pode perder tudo, mas deixar para trás a sua história não deve ser fácil. Perder os registros do seu caminho, aquilo que marca a sua existência nessa terra.

A verdade é que somos uma coleção de momentos. Uma combinação de experiências, o resultado de relacionamentos, a consequência de escolhas. Somos, sim, o que vivemos. E como sabemos o quão fugaz é a vida, lutamos para deixar a nossa marca. Constantemente, tentamos deixar rastros da nossa caminhada por aqui. Da história que vivemos, dos caminhos que percorremos. E, embora isso talvez não sirva para mais ninguém, serve para nós: faz-nos lembrar do que passamos, do que enfrentamos, do que sentimos. E esse rastro nos dá potência, nos impulsiona para frente.

Como fazer quando se perde a própria história, então? O que fazer quando perdemos as imagens da nossa infância? Você lembra como você era aos 3 anos de idade se não fossem por fotografias? Você lembraria de detalhes do seu casamento, do nascimento dos filhos, das férias com amigos, se não fossem as fotos, os souvenires, os pequenos prêmios que nós damos para celebrar as vitórias pessoais?

A internet nos brindará com soluções e resgatará instantes, mas não resolverá tudo.

Em meio a tanta desgraça, essa questão parece sem importância. Impactará, porém, profundamente na vida de milhares de pessoas. De crianças que não terão suas lembranças. De adultos que perderam os pequenos “troféus” da jornada.

O passado, contudo, ninguém tira delas. E talvez essa seja a grande lição: apegamo-nos a tanto, mas, ao fim e são cabo, será que esse não é o sinal de que somos apenas poeira? Afinal, não carregamos nada quando deixamos esse plano. “O que se leva dessa vida é a vida que se leva”, sem dúvida.

Porém, ninguém quer ser apenas “apagado” quando partir. De uma forma ou de outra, todos temos o desejo de deixar algo. Um legado. Uma lembrança de quem se foi. Um rastro de sua passagem por aqui.

Não é fácil. Não tem sido fácil. Mas o que vejo são pessoas resilientes e incansáveis lutando para restaurar o seu presente. Não há tempo para pensar no passado. Não há saúde emocional para isso agora. Há apenas a necessidade de resgate de suas vidas como eram. Quem está pensando além sou eu. Vislumbrando as dores de um presente sem passado.

Talvez, afinal, os resquícios de nossa história acabem não sendo fundamentais – embora sejam importantes. Talvez, no final, sejamos apenas presente e o passado não importe. Talvez, quem sabe, a força da sobrevivência seja maior do que necessidade da história, e mesmo do que a esperança pelo futuro.

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

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