Sexta-feira, 18 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 7 de agosto de 2015
“O nome do meu filho Luan, no documento, ainda consta como Luara. No entanto, ele é transgênero, um homem no corpo de uma mulher. Não é fácil acordar e saber que a sua filha virou filho. Amar, estar perto e acompanhar é o que vai fazer com que todo o resto fique mais fácil. Se pudesse, teria percebido e evitado momentos de tristeza. Sinto que tenho grande culpa de não ter ajudado antes e evitado a depressão do Luan.
A trajetória foi muito difícil até agora, ainda que estejamos apenas no início. O pai dele é ausente desde os 4 anos. Quando começou a ter mais autonomia, o Luan fez escolhas de roupas e brinquedos considerados masculinos. Aos 11 anos, encontrei e li o diário do meu filho. Nas páginas, encontrei declarações sobre a paixão por uma menina e não dei tanta atenção porque era personagem de um filme. Mais tarde, aos 13 anos, acabei lendo novamente. Nessa fase, o Luan dizia estar apaixonado por uma garota do curso de inglês. E não era só isso. Vinha acompanhado de pensamentos suicidas, repúdio ao sexo masculino.
Sugeri que o Luan começasse um tratamento psicológico. No entanto, não tivemos nenhum progresso no primeiro tratamento. A formatura do 9 ano foi um martírio. Exigiram o uso de vestido durante a festa e isso não fazia parte do seu vestuário. Ele foi firme: disse que não usaria salto alto de maneira alguma. Na ocasião, usou um tênis, mas não escapou do vestido.
Aos 15 anos, o Luan decidiu se abrir comigo. Ligou e disse: ‘mãe, a Valentina quer conversar com você’, falando sobre uma amiga bem próxima. Quando cheguei, Valentina me disse: ‘O Luan é transgênero’. Até então, não sabia o que era. E, para mim, foi uma grande surpresa. Sempre esperei o dia no qual ele me contaria que gostava de meninas, mas não que queria mudar o seu corpo, nome e história.
Tive uma rejeição no início, mas nunca enxerguei como uma fase. A partir do momento que ele me contou, eu sabia: é o Luan. Aceitei com dificuldade, mas apoiei desde o início. Conversamos com a família e amigos mais próximos, pois não queríamos conversas paralelas. Criei expectativas e foi um baque, mas nunca demonstrei. A revelação fez com que o Luan se sentisse à vontade para cortar o cabelo na semana seguinte e trocar o guarda-roupa.
Conversamos com a minha mãe. Ela e o Luan são muito próximos. Depois falei com os meus irmãos, com o meu marido, que aceitou com mais facilidade do que eu. Tenho um primo com dificuldade para aceitar. A Pietra, minha filha mais nova, sempre me disse que o Luan era um menino. Hoje entendo.
Quem teve mais dificuldade para aceitar foi a minha avó, que tem 77 anos. Por motivos de criação e cultura, ela não recebeu a notícia tão bem. Ficou sem falar com ele por um período, brigava por qualquer coisa e olhava torto. Ainda acredita que é só uma fase e se recusa a chamá-lo de Luan. Porém, procurou tratamento por meio da religião para tentar aceitar tudo isso. Hoje está mais tranquila, menos hostil.
Na escola, todos já sabem que o Luan é trans e o tratamento mudou. Ele frequenta a instituição desde pequeno e são pessoas que convivemos fora do ambiente pedagógico. Alguns professores fingem que nada aconteceu, outros procuram tratar como Luan.
O meu sentimento sobre tudo isso, sinceramente, é medo. Medo do preconceito que vai sofrer em diversos momentos da sua vida, da violência na sociedade, da transformação do corpo, de grupos transfóbicos. Sei o quanto a vida do Luan mudou depois que conseguiu revelar. Ainda estamos adaptando muita coisa. Sofremos juntos durante o período de menstruação, apertamos todos os dias os seus seios em faixas e elásticos para não aparecer na roupa, compramos cuecas e falamos das meninas pelas quais se interessa.
Planejamos a mudança de nome e sexo no RG, quando ele completar 16 anos, em setembro. Entre 17 e 18 anos, ele vai começar a tomar hormônios masculinos de acordo com os exames. O que pedi para o meu filho é que ele não jogue fora as fotos antigas. Para o Luan, quando falamos do passado – Luara – é como se falássemos de uma irmã que já morreu. Mas eu não penso assim. Não é necessário apagar para mudar a história. Faz parte e vai continuar sendo lembrada e vivida.” (AG)