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“Não é hora de discutir anistia”, diz futura presidente do Superior Tribunal Militar sobre os ataques a Brasília

Para a ministra, indicada ao cargo pelo presidente Lula em 2006, o 8 de Janeiro é "uma ferida aberta que vai custar para cicatrizar". (Foto: EBC)

Futura presidente do Superior Tribunal Militar (STM), a ministra Maria Elizabeth Rocha disse ao blog da jornalista Malu Gaspar, no jornal O Globo, que é “precoce” a discussão de uma anistia aos envolvidos nos atos golpistas que culminaram com a invasão e a depredação da sede dos Três Poderes em Brasília, em 8 janeiro de 2023. Ela assume o comando do STM em 12 de março.

Para a ministra, indicada ao cargo pelo presidente Lula em 2006, o 8 de Janeiro é “uma ferida aberta que vai custar para cicatrizar”. “Isso vai ser como 64, vai incomodar ainda por muitas décadas”, disse. Ela está entre os cinco representantes civis do tribunal militar, formado por 15 magistrados – e a única mulher a integrá-lo desde a sua criação por Dom João VI, em 1808.

Veja os principais trechos da entrevista:

1) Como a senhora vê a possibilidade de anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro? É uma discussão oportuna?

Acho que é simplesmente precoce, muito cedo para se falar em anistia. Ainda não tenho os dados para avaliar se ela é pertinente ou não, então, como diria Dom João VI, quando não se sabe o que fazer, o melhor é não se fazer nada. Em primeiro lugar, nem todos os réus ainda foram julgados, apenados – e outros ainda vão ser denunciados. Então é preciso aguardar para que todos os autores e perpetradores do 8 de Janeiro sejam efetivamente julgados para se cogitar que tipo de anistia, porque até tem um indulto presidencial. Existe um indulto que é dado e concedido todos os anos pelo presidente da República, mas precisa-se ver se a situação comporta até o indulto. Talvez não precise nem de anistia, mas vamos guardar.

2) Do ponto de vista pessoal, a senhora é particularmente contra ou a favor da anistia?

Vai depender de muitos fatos que ainda estão sendo apurados. É preciso ter uma visão completa do que foi o 8 de Janeiro, esclarecer tudo, para poder se falar nisso, porque a anistia é perdão, não é esquecimento. É preciso que se tenha em conta toda a cena do crime. Podemos dizer que, pelo visto, não foi só a depredação do Palácio do Planalto, do Supremo e do Congresso. Ela extrapolou a Praça dos Três Poderes, e aí é preciso ter consciência do que realmente poderia acontecer para se valorar a possibilidade ou não desse perdão. E essa consciência nós ainda não temos, porque depende inclusive da atuação do Procurador-Geral da República (a quem caberá apresentar a denúncia contra os indiciados pela Polícia Federal na trama golpista).

3) Por falar na PGR, os militares devem ser punidos, se ficar comprovado o envolvimento deles nos planos golpistas?

É claro, ninguém está acima da lei. Nenhum de nós está acima da lei, nem militar, nem ministro, nem magistrado, nem o próprio presidente da República.

4) Há desconforto nas Forças Armadas com os indiciamentos da Polícia Federal e o risco de condenação de militares de alta patente.

É um desconforto, sem dúvida nenhuma, porque a instituição acaba pagando pelo mal agir de determinados membros que a integram. Então realmente é desconfortável, do mesmo jeito que é desconfortável demais para o Poder Judiciário quando há suspeitas de corrupção de assessores ou de magistrados, não importa. É desconfortável para qualquer instituição, mas tem que enfrentar. Vai colocar sujeira debaixo do tapete? Não pode ser, não em uma República, não em uma democracia.

5) A senhora acha que o 8 de Janeiro já foi superado?

Não. Isso vai ser como 64, vai incomodar ainda por muitas décadas. O 8 de Janeiro é uma ferida aberta que vai custar para cicatrizar. É um fantasma que nos atormenta, e que nos obriga a ficarmos vigilantes e reflexivos, porque nós, aqueles que têm um pensamento de vanguarda, que querem que o país progrida, que querem reformar as instituições e distribuir a riqueza de uma forma igualitária, também andamos falhando muito. Os setores progressistas da sociedade têm falhado muito também com as camadas populares.

6) Dois anos depois, o que mais lhe marcou no 8 de Janeiro de 2023?

A destruição do Palácio do Planalto. Ter esfaqueado uma obra-prima de Di Cavalcanti (a obra “As mulatas” foi furada pelos extremistas e devolvida ao Planalto nesta semana, após ser restaurada), um patrimônio cultural, meu Deus, o que Di Cavalcanti fez para merecer tanta facada? Fico imaginando aquelas pessoas, mais do que tentarem dar um golpe de Estado, elas queriam destruir o Estado. Eles tomaram um ódio tamanho pelo Estado que a minha ideia era de aniquilação quando eu via aquela gente quebrando tudo.

7) Como assim?

Eles queriam aniquilar os direitos, porque talvez eles mesmos não tenham recebido essas benesses do Estado. A pessoa que quebrou o relógio (o relógio de Balthazar Martinot, também devolvido ao Planalto nesta semana após restauração) era um trabalhador (condenado no ano passado pelo STF a 17 anos de prisão). Fico me indagando o que levou um homem do povo que deve passar necessidades, a se alinhar a uma direita extremista que apoia as elites, que é contrária à qualquer distribuição de riqueza, e defender esse ideário com tanta raiva, ódio? Eu senti por parte daqueles cidadãos brasileiros um rancor contra o Estado.

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