Não faz muito tempo que Jorge Paulo Lemann era discutivelmente o magnata corporativo mais respeitado e temido do planeta. O bilionário brasileiro e seus dois parceiros de negócios — Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira — de longa data uniram gigantes multinacionais em um ritmo frenético, juntando-as ao vasto império que construíram no Rio de Janeiro.
Em 2008, foi Anheuser-Busch InBev. Em 2010, Burger King. Então veio HJ Heinz, Tim Hortons, Kraft Foods Group e, finalmente, em 2016, o maior de todos: a cervejaria SABMiller. A cada nova aquisição, Lemann, inspirado em seu ídolo, o ex-CEO da General Electric, Jack Welch, teria como ordem profundos cortes de custos. Benefícios foram eliminados, folhas de pagamento cortadas, fábricas fechadas.
Foi doloroso para os funcionários comuns, mas emocionante para os financiadores de Lemann, que embolsaram ganhos inesperados à medida que as empresas novas e mais enxutas geravam lucros cada vez maiores.
O modelo 3G, como foi apelidado em Wall Street em homenagem à principal empresa de investimentos de Lemann, a 3G Capital, foi tão impiedosamente eficaz que começou a revolucionar o pensamento de executivos em toda a América. Até Warren Buffett, que investiu em alguns dos negócios que Lemann fechou, parecia hipnotizado.
“Jorge Paulo e os seus sócios são gestores extraordinários,” disse Buffett em 2013.
Mas então, de repente, tudo deu errado para Lemann. No início de 2017, ele foi rejeitado quando tentou adquirir o conglomerado europeu Unilever por US$ 143 bilhões e juntá-lo com a Kraft Heinz. Isso expôs uma falha fundamental: o foco obsessivo do 3G nos custos, em vez de expandir o negócio, o que significava que precisava de uma lista interminável de grandes alvos que pudesse comprar e extrair economias para continuar aumentando os lucros.
Com fome de novas aquisições, o 3G vacilou. Os preços das ações da Kraft Heinz e da Anheuser-Busch (que está tecnicamente fora do 3G) despencaram, a fortuna coletiva de Lemann e de seus sócios encolheu US$ 14 bilhões, e o alardeado modelo 3G, para todos os efeitos, morreu.
Tudo isso também impactou a riqueza de Lemann. Sua fortuna atingiu US$ 32,2 bilhões no fim de 2017, quando ele ocupou o 25º lugar no mundo, de acordo com o Índice de Bilionários da Bloomberg. Desde então, caiu 34%, para US$ 21,1 bilhões, ocupando a 77ª posição.
Efeito da Americanas
Lemann, agora com 83 anos, já tinha uma atuação mais discreta quando a Americanas, gigante do varejo brasileiro da qual ele e seus sócios são os principais acionistas há décadas, entrou em colapso no mês passado, depois que um buraco de R$ 20 bilhões foi descoberto no balanço da empresa.
As ações caíram 77% em um único dia, e os títulos recuaram para apenas 15 centavos de dólar. Os credores estão traçando planos para confiscar bens pessoais de Lemann.
A crise do outro lado do mundo que envolveu o império de Gautam Adani — bilionário indiano que perdeu R$ 42 bilhões em um dia, também resultado de questionamentos sobre práticas contábeis em suas empresas — pode ter reduzido o interesse pela Americanas na imprensa internacional, mas no Brasil o escândalo continua.
Críticas
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou Lemann na semana passada, o comparando a Eike Batista, o magnata desacreditado que chegou a ser preso por um curto período em meio às investigações da Operação Lava-Jato.
“Lemann era vendido como suprassumo de um empresário de sucesso”, disse Lula em entrevista à TV. “Era o homem que pregava contra a corrupção todos os dias e agora cometeu uma fraude.”
Isso talvez seja um exagero. Não há nenhuma evidência — pelo menos que tenha sido divulgada — que ligue Lemann diretamente às irregularidades contábeis supostamente orquestradas pelos executivos da Americanas.
Mas o ataque de Lula dirige-se a uma questão incômoda que aqueles nos círculos financeiros de elite no Rio de Janeiro e em São Paulo continuam levantando: as ações tomadas por esses executivos foram um mero ato aleatório ou, em algum nível, foram resultado da cultura implacável de entrega de resultados a todo custo que Lemann criou?
Apenas dois anos antes, observam os críticos do bilionário, a Kraft Heinz pagou US$ 62 milhões em acordo em investigação da Comissão de Valores Mobiliários (SEC, na sigla em inglês), órgão regulador do mercado de capitais, dos Estados Unidos sobre irregularidades contábeis supostamente orquestradas por executivos.