O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou nessa sexta-feira (18) que o seu ex-ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid, tinha autonomia para tomar decisões e que espera clarear “o mais rápido possível” o caso das joias. A declaração foi dada em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo em Abadiânia, em Goiás.
Bolsonaro foi questionado sobre a declaração dada pelo advogado de Cid à imprensa na quinta (17). Na ocasião, a defesa afirmou que o ex-ajudante que vendeu as joias recebidas à mando do ex-presidente.
“Ele (Cid) tinha autonomia. Não mandei ninguém fazer nada. (…) Eu quero clarear o mais rápido possível”, disse Bolsonaro.
O ex-presidente também comentou a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes em autorizar a quebra do seu sigilo bancário e fiscal, assim como o da ex-primeira-dama, Michelle.
“Sem problemas. Tudo incomoda, mas sem problemas.”
Para justificar a manutenção das joias em seu patrimônio, Bolsonaro voltou a citar o caráter personalíssimo do item. Segundo informações do jornal O Globo, a estratégia de citar uma portaria nula foi aderida por outros parlamentares de sua base de apoio.
“Ela (a portaria 59/2018) vale pelo menos até a data que ela existiu. Quando a portaria é revogado, tem uma vacância. O acórdão de 2016 provoca o parlamento”, disse Bolsonaro ao Estadão.
A portaria 59, de novembro de 2018, ao qual o ex-presidente se refere foi assinada pelo então ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República de Michel Temer (MDB), o ex-deputado Ronaldo Fonseca. No texto em questão, joias, semijoias e bijuterias são descritas como bens de natureza personalíssima ou de consumo direto do recebedor, podendo assim fazer parte do acervo privado do presidente. Contudo, segundo especialistas, a medida não teria validade legal, já que há um entendimento anterior do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o tema.
Desde 2016, a Corte de Contas entende que apenas itens “personalíssimos” podem ser incorporados ao acervo privado dos presidentes e cita medalhas personalizadas, bonés, camisetas, gravata, chinelo e perfumes como exemplos. O relator do caso em que essa compreensão prevaleceu, o ministro Walton Alencar, chegou a citar em seu voto que joias não poderiam ser enquadradas na terminologia:
“Imagine-se, a propósito, a situação de um Chefe de Governo presentear o Presidente da República do Brasil com uma grande esmeralda de valor inestimável, ou um quadro valioso. Não é razoável pretender que, a partir do título da cerimônia, os presentes, valiosos ou não, possam incorporar-se ao patrimônio privado do Presidente da República, uma vez que ele os recebe nesta pública qualidade”, disse Alencar à época.
Neste contexto, a portaria datada do governo Temer não teria validade legal. Essa hipótese foi, inclusive, prevista pelo TCU em 2016, afirma o advogado constitucional Fernando Bentes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro:
“No mesmo acórdão, o TCU se manifestou dizendo que não pode uma norma editada pela Secretaria-Geral da Presidência legalizar uma prática em dissonância com a pessoalidade, a moralidade e a probidade, meramente, para atender a uma situação específica. A portaria não pode ser usada como escusa para o ato que contraria os princípios republicanos.”