Após a filha tirar a própria vida, aos 13 anos, a comerciante Cynthia Monique da Costa passou os primeiros dias sem nenhuma pista do que havia levado a adolescente a ato tão extremo. Não havia notado nenhum sinal de anormalidade nem observado comportamentos depressivos e autodestrutivos ou qualquer ato que demonstrasse ideação suicida. Na noite em que tudo aconteceu, uma segunda-feira em maio de 2021, a menina foi à escola, voltou para casa, tomou banho, jantou e deu boa noite aos pais.
“A única coisa que havia mudado depois que ela entrou na adolescência é que ficava mais tempo no quarto e nas redes sociais, mas achávamos que era algo normal da idade. E ela continuava conversando abertamente com a gente, viajando, se divertindo. Uma semana antes, estávamos em Cabo Frio (RJ), dançando, brincando, andando de patins”, diz Cynthia, que mora no Rio.
Ao tentar entender o que havia motivado o ato da filha, a comerciante descobriu, olhando o celular da menina e conversando com amigos dela, que a adolescente seguia e interagia nas redes sociais com páginas e grupos que incentivavam automutilação e suicídio. Também soube que mandou mensagens a amigos, mais de uma vez, avisando que se mataria, e levou carta de despedida à escola no dia do suicídio para mostrar aos colegas.
Como a garota já havia dito coisas semelhantes antes a amigos, eles não levaram a sério a ameaça e não avisaram ninguém. “Disseram que não acreditavam que ela realmente ia fazer. Muita gente pensa que quem ameaça não faz, mas isso não é verdade. Levar a carta de despedida no dia foi um pedido de ajuda”, diz Cynthia.
Alerta
A mãe lamenta não ter sido avisada, mas reconhece que as discussões sobre prevenção do suicídio ainda não estão em todos os ambientes. Segundo especialistas, não devemos minimizar possíveis sinais de alerta de pessoas com ideação suicida e é preferível alertar familiares do que perder a chance de evitar a tragédia. Cynthia afirma considerar fundamental que todos os pais conversem com seus filhos sobre o tema, não só para evitar tentativas de suicídio na família, mas para que outros jovens saibam identificar quando um amigo esteja passando por problemas psíquicos. “Ela não deu sinais claros para a família, mas deu para alguns amigos. Devemos ensinar nossos filhos a identificar um amigo que esteja nessa situação para que possam avisar os pais, tentar ajudar. Assim a gente tem mais chance de prevenir.”
Redes sociais
Cynthia diz ainda considerar insuficientes as ações de moderação e regulação de postagens nas redes sociais pelas plataformas, em especial no TikTok. “Depois da morte dela, descobri um mundo de coisas. Tem muitos vídeos depressivos, com jovens mostrando que fizeram carta de despedida, uma coisa bem ‘down’. E, nos comentários, gente combinando dia para se matar. Imagina um adolescente que está nessa fase, cheio de dúvidas. Eu tentava monitorar o que ela via nas redes, mas soube que ela instalava e desinstalava aplicativos. Deveria haver filtros das próprias plataformas.”
Bullying não é brincadeira
A dor pela perda da filha de 13 anos também tem motivado o engenheiro Marcello Cunha a pensar em ações para alertar pais, educadores e toda a sociedade sobre os impactos do bullying na saúde mental de crianças e adolescentes. A menina tirou a própria vida em junho do ano passado. O pai a encontrou morta na escola quando foi buscá-la. Segundo Cunha, ela sofreu episódios de bullying ao longo dos últimos anos no colégio.
“Reportamos vários casos para a escola, o primeiro em 2017”, afirma o pai. Segundo ele, a escola “tratava esses casos como brincadeira de criança, mas não são”.
O Colégio Porto Seguro afirmou, em nota, respeitar “verdadeiramente o momento de dor pelo qual a família vem passando”, mas nega que a aluna sofresse bullying. Sobre o episódio e as queixas da família, a instituição afirmou que “para configuração do bullying, é necessário que o ato seja intencional, repetitivo e sem motivação evidente, o que não se verificou nas situações apontadas pelo pai”.
Disse ainda que “oferecer apenas uma explicação para o suicídio, que possui um viés multifatorial, é ser reducionista”. E afirmou que “o sofrimento psíquico, por inúmeras vezes atrelado ao suicídio, pode estar presente na vida de uma pessoa há muitos anos, mas, nesse caso específico, o colégio nunca teve conhecimento de ideações suicidas da aluna”.