A descoberta de dois narcossubmarinos carregados de cocaína em menos de um mês na Colômbia e na Espanha evidenciou a evolução de uma tecnologia para transporte de droga em rotas no Oceano Atlântico e Pacífico por cartéis sul-americanos. Um deles, encontrado em Arousa, na Espanha, teria vindo do Brasil carregado de droga. Investigadores disseram que foram encontrados “cobertores, roupas e comida brasileira” no interior da embarcação. O segundo, foi achado à deriva na costa da Colômbia, com 2,6 toneladas de cocaína e dois corpos.
O uso dos chamados narcossubmarinos no tráfico de drogas é conhecido pelas autoridades colombianas e americanas pelo menos desde 2006. O surgimento desses semissubmersíveis na Espanha nos últimos anos – o primeiro caso foi em 2019 – indica que a tecnologia se estabeleceu no Atlântico, com a participação ativa de organizações criminosas brasileiras.
Essas embarcações estão cada vez mais modernas e com um investimento maior. Somente em 2021, 31 narcossubmarinos foram apreendidos na Colômbia, segundo o governo. Os modelos chegam a custar US$ 1 milhão (R$ 5,1 milhões), são construídos com fibras de vidro e são capazes de transportar entre oito e dez toneladas de drogas. Mais modernos, eles possuem tecnologias que sequer necessita de tripulantes, com drones aquáticos possuindo uma rota pré-programada.
A tecnologia cada vez mais sofisticada aumenta o desafio dos países para combater o tráfico internacional de drogas. O relatório global sobre cocaína mais recente do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), divulgado no dia 13 deste mês, observa que as rotas para os maiores mercados consumidores de cocaína (Europa e Estados Unidos) estão cada vez mais eficientes graças aos novos equipamentos.
Eles se somam a uma variedade de meios de transporte utilizados na logística do tráfico transatlântico, formada por navios mercantes e de pesca, lanchas rápidas e veleiros.
A vantagem dos semissubmersíveis com relação aos outros meios de transporte é a dificuldade de rastreá-los, de acordo com o Javier Romero, especialista em narcotráfico na Galícia e autor de um livro sobre a operação que encontrou a embarcação na costa em 2019. “Até mesmo o radar pode confundir algo vindo da superfície da água. Pode até confundir com uma onda”, disse ao Insight Crime, uma organização de jornalismo investigativo.
O uso das embarcações se expandiu tanto ao longo das últimas décadas que hoje, diz Javier Romero, há uma série de construtores especializados nos semissubmersíveis, construídos em oficinas incrustadas no interior da selva amazônica. Um dos principais nomes dessa indústria, Óscar Moreno Ricardo, conhecido como “Rei dos Semissubmersíveis” ou “Senhor dos Mares”, foi preso em janeiro do ano passado pelo Ministério Público da Colômbia com um patrimônio estimado em R$ 8 milhões, segundo os promotores.
Na semana passada, o Ministério Público colombiano prendeu mais 12 pessoas suspeitas de envolvimento com a construção de submarinos utilizados para o narcotráfico. A investigação foi realizada em conjunto com a Guarda Civil da Espanha, o que indica que os suspeitos construíram a embarcação encontrada em Arousa. De acordo com os promotores, os veículos construídos pelo grupo também são utilizados na rota do Pacífico, que leva a cocaína da Colômbia à América Central e aos Estados Unidos.
A investigação também apontou que o grupo não age somente na Colômbia, mas também em outros países da América do Sul, incluindo o Brasil. Essa difusão na produção indica uma característica cada vez maior do narcotráfico: a descentralização.
Estrutura do narcotráfico
O relatório da UNODC aponta que o narcotráfico, antes controlado por poucos cartéis, expandiu a estrutura e passou a agregar uma cadeia de atores para funcionar de forma mais eficiente e dificultar investigações. De acordo com a entidade, o narcotráfico passou a terceirizar funções, a tecer parcerias com outras organizações e a se especializar em determinadas logísticas.
Os carteis mexicanos, notadamente o Cartel de Sinaloa e o Cartel de Jalisco Nova Geração (CJNG), continuam os mais poderosos no controle do corredor de drogas do México até os EUA. Nas rotas transatlânticas para a Europa, a estrutura é controlada por cartéis colombianos com grande colaboração do PCC. De acordo com a UNODC, a organização brasileira se expandiu na última década e adquiriu um papel importante no transporte da droga, estando presente na África e no continente europeu.
Na estrutura do narcotráfico internacional, o Brasil é um pivô. Investigações da Polícia Federal mostram o País como uma das principais rotas para o transporte da cocaína produzida na Colômbia até a Europa. Parte dos submarinos encontrados com cocaína no continente europeu zarpam daqui, segundo os investigadores. Os destinos mais comuns para as cargas que saem do Brasil são os portos de Roterdã, na Holanda, e Antuérpia, na Bélgica, além da Espanha e Portugal.
Em 2020, o Brasil teve o quarto maior volume mundial de cocaína apreendido pela polícia, 182 mil toneladas, atrás apenas da Colômbia, Honduras e Equador. Especialistas da UNODC estimam que a quantidade corresponde somente a 40% do fluxo da droga que passa pelo País.