Os jornalistas, mesmo quando procuram retratar com fidelidade os fatos, fazem escolhas conscientes e inconscientes. Eles, os profissionais de imprensa (como nós outros), carregam consigo crenças, leituras bem e mal digeridas, até neuroses mal curadas. Como nós, eles trazem medos e angústias existenciais, os incidentes da experiência vivida, o percebimento do mundo.
Em meio à abundância de ideias e sentimentos, a imparcialidade é um atributo raro. De um modo ou de outro, no corpo da matéria, ou no detalhe apenas divisado, está ali, posto e exposto, um pouco da vida como eles – os jornalistas – a entendem. Eles não veem as coisas como elas são, mas como eles mesmos são.
De outro lado, também não há dúvida de que os leitores, sobretudo os das redes sociais, procuram os seus irmãos de fé e parceiros de ideias, de modo a reforçar as próprias convicções. Ninguém quer aprender nada: “Os homens não querem o conhecimento, querem a certeza” (Bertrand Russel).
Os jornalistas sabem muito bem disso. Então eles adotam certa linha de pensamento, e dela só se desviam em caso extremo. É que se não demonstrarem um “lado”, um determinado compromisso, decairá o número de leitores e seguidores, diminuirá o status de sua influência e prestígio. Eles não podem tirar alguém para dançar e mudar de par a cada fato ou conjuntura.
Observem Augusto Nunes, de Veja. Poucos jornalistas ridicularizaram tanto Dilma Rousseff, pelos desatinos de linguagem, pelas parvoíces que dizia. Mas hoje ele permanece em obsequioso silêncio, quando Bolsonaro dá uma daquelas declarações que causam vergonha alheia – o que é bastante comum. Ele não ignora os disparates, as incongruências, a falta de compostura, as grosserias, mas precisa fazer cara de paisagem e ir em frente, mantendo a pose.
Ou José Roberto Guzzo, inteligência aguda, texto brilhante, mas que não pode mudar o script, se afastar do seu terreiro. Ele tem um público fiel e faz o que esperam dele: a crítica constante de todos os que, de alguma maneira, se opõem ao governo. Mais esperto do que Nunes, entretanto, vez por outra, para não dar na vista, dá um leve piparote em Bolsonaro, quando ele exorbita na gafe, nos atos e nas palavras.
Alexandre Garcia é jornalista de texto fraco e elogio fácil. Está completamente à vontade – parece ter recuperado a função de porta-voz do governo, que ele já havia ocupado durante o regime militar. Bolsonaro retribui citando-o de vez em quando em suas entrevistas, mesmo que seja para deixá-lo em maus lençóis, como nas declarações infelizes, de cunho racista, na comparação entre japoneses e brasileiros.
Eles guardam fervorosamente a posição, não mudam o discurso, mantêm-se vigilantes na defesa do governo, porque lhes dá visibilidade e um público fiel – o mesmo das redes sociais do bolsonarismo. Não abrem mão de suas narrativas engajadas, por mais bizarras que sejam as mancadas de Bolsonaro e do governo. Se olharem os fatos com alguma isenção, se forem imparciais, se fizerem concessões à sinceridade, perderão público, ouvintes e leitores.
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