Eleito sob a narrativa de candidato “outsider” e com um discurso duro quanto à segurança pública e ao combate da corrupção, o ex-juiz federal Wilson Witzel surfou na popularidade do então candidato à Presidência Jair Bolsonaro para surpreender Eduardo Paes e Romário nas eleições ao governo do Rio de Janeiro em 2018. A relação siamesa de Witzel e Bolsonaro na campanha, com a repetição de discursos e pautas, foi rompida menos de um ano após o início dos mandatos dos dois políticos nos Executivos fluminense e federal com ataques e acusações de crimes.
O áudio da reunião em que Bolsonaro discutiu estratégias para anular o inquérito das “rachadinhas” contra Flávio Bolsonaro (PL-RJ) – o entusiasta oficial do clã Bolsonaro à candidatura de Witzel – explicita como a relação entre o ex-presidente e o ex-governador do Rio ruiu.
“No meu entendimento, o senhor Witzel estava conduzindo o processo com o delegado da Polícia Civil para tentar me incriminar ou pelo menos manchar o meu nome com essa falsa acusação de que eu poderia estar envolvido na morte da Marielle”, disse Bolsonaro em Riad, na Arábia Saudita, onde cumpria agenda.
O caso marcou o rompimento total entre Witzel e Bolsonaro. No ano seguinte, em 2020, quando ocorreu a reunião entre Bolsonaro, general Heleno, Ramagem e a defesa jurídica de Flávio, Jair Bolsonaro afirmou que o ex-governador do Rio de Janeiro tentou negociar uma vaga no STF.
“Ano passado, no meio do ano, encontrei com o Witzel, não tive notícia [inaudível] bem pequenininho o problema. Ele falou, resolve o caso do Flávio. Me dá uma vaga no Supremo”, relatou Bolsonaro no encontro, realizado um mês depois da prisão de Fabrício Queiroz, peça-chave na investigação sobre as “rachadinhas” no gabinete de Flávio, quando era deputado estadual do Rio de Janeiro.
Áudio e posicionamento
O áudio, segundo a Polícia Federal (PF), foi gravado por Alexandre Ramagem, atualmente deputado federal e pré-candidato à prefeitura do Rio de Janeiro. A reunião aconteceu no dia 25 de agosto de 2020. A agenda oficial de Bolsonaro não registrou essa reunião. Os investigadores indicam que o material é uma prova da participação de Bolsonaro no esquema criminoso.
A gravação da reunião foi encontrada durante investigações do caso conhecido como “Abin Paralela”. A Polícia Federal prendeu quatro pessoas na semana passada, durante desdobramentos da investigação sobre o uso irregular da Abin. Em novembro de 2021, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou provas do caso sobre enriquecimento ilícito de Flávio. A investigação aponta que os crimes de desvio de dinheiro teriam acontecido quando ele era deputado estadual. O senador nega irregularidades e crimes.
O ex-governador Wilson Witzel informou em posicionamento na rede social X (antigo Twitter), que “jamais” ofereceu qualquer tipo de auxílio durante seu governo e que no seu governo a Polícia Civil e militar sempre “tiveram total independência e os poderes foram respeitados”.
“O Presidente Jair Bolsonaro deve ter se confundido e não foi a primeira vez que mencionou conversas que nunca tivemos, seja por confusão mental, diante de suas inúmeras preocupações, seja por acreditar que eu faria, a nível local, o que hoje se está verificando que foi feito com a Abin e Policia Federal. No meu governo a Polícia Civil e militar sempre tiveram total independência e os poderes foram respeitados. A história e tudo o que aconteceu comigo comprovam isso”, escreveu Witzel.