Quarta-feira, 15 de janeiro de 2025
Por Edson Bündchen | 7 de setembro de 2023
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Num desses domingos carrancudos que vez por outra nos premiam, aproveitei um breve instante de sol para descer com o meu cachorro até a praça em frente ao prédio onde moro. Ao entrar na rua que dá acesso à praça, vi um casal sendo abordado por um vendedor de artesanato tentando vender pulseiras, dessas bem simples, feitas de sobras de material plástico. O homem devia ter cerca de 40 anos, vestia roupas visivelmente surradas, mas limpas, denotando não se tratar de um mendigo, mas de alguém lutando pela sobrevivência de um modo digno. Após duas negativas por parte do primeiro casal abordado, outro transeunte não lhe deu atenção, fazendo de conta que a conversa não era com ele. Continuei a caminhar quando, no cruzamento, também recebi o mesmo apelo: – O senhor pode me ajudar? Parei para ouvir a oferta, alertando que estava sem dinheiro naquele momento.
– Não tem problema, disse o vendedor, o senhor pode fazer um PIX. São R$ 10,00 reais a pulseira. Como choveu, não consegui vender nenhuma peça hoje e gostaria de chegar em casa com um dinheirinho para o almoço.
O nome dele é João, como milhões de joões que vivem no Brasil, quase que invisíveis, humilhados e perseguidos diariamente, tentando sobreviver em uma sociedade que costumeiramente lhe vira as costas sem remorso.
No outro lado do planeta, quase que no mesmo momento em que João tentava salvar o seu almoço fazendo das tripas coração para vender suas pulseiras, o Cearense Matheus Alencar de Moraes, de apenas 16 anos, conquistava a medalha de ouro na 64ª edição da Olimpíada Internacional de Matemática, a mais tradicional competição do gênero no mundo. Matheus, segundo a sua mãe, Marcele Alencar, se dedica desde os 9 anos a estudar matemática. Aos 11 anos, ainda de acordo com a orgulhosa mãe, o mais novo campeão bateu o pé e disse que queria muito ir para as olimpíadas “botar medo em chinês”. Esse menino, diferente de tantos outros, talvez com o mesmo talento, contou com uma mãe zelosa e um espaço para poder brilhar. Seu futuro, por certo, poderá ser diferente do vendedor com o qual esbarrei num domingo qualquer.
O Brasil dos esquecidos convive com um outro Brasil que dá certo, e por isso mesmo torna ainda mais trágico e inaceitável o destino de tantos brasileiros nascidos para perder. Comparemos, a título de exemplo, o tipo de valores que uma criança recebe do elo mais importante de sua cadeia de formação moral e intelectiva, fazendo parte de uma família estruturada de classe média ou tendo o infortúnio de nascer numa favela brasileira. Enquanto um pai ou uma mãe de classe média tem tempo para apoiar os estudos dos seus filhos e lhes ensinar a importância do pensamento prospectivo, a importância do estudo, o aprendizado de línguas, a determinação, a necessidade de concentração e todo o entorno que forjam o caráter e as perspectivas que serão a base para o sucesso futuro, nossas crianças que estão na base da pirâmide social, em estado de miséria, já nascem, em larga medida, condenadas a não disporem dessa atenção de seus pais, seja por falta de condições materiais, seja por falta de tempo. As jornadas extenuantes, dentro de trens e ônibus, chegando em casa na hora de engolir algum resto de comida e tentar dormir rasas horas para pular da cama às 4 horas da manhã para uma nova rotina, inviabilizam a atenção necessária aos filhos. Isso, obviamente, quando houver um pai e uma mãe, já que a maioria das famílias em extrema pobreza geralmente não conta com a figura do pai, ou nem sabem quem é o pai. Essa é a realidade que temos que discutir. Parte importante de nossa população miserável já nasce condenada a continuar miserável. É uma falácia discutir meritocracia quando milhões já entram em campo condenados a serem perdedores. O Brasil precisa enfrentar o seu futuro. Necessitamos de políticas sociais robustas, que permitam aos mais pobres condições efetivas para poder competir. Um dos caminhos, primeiramente, é combater o preconceito que ainda tributa a miséria à cor da pele e a outras formas de racismo cultural.
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.