Natalie Portman tem mais de 40 filmes no currículo, trabalhou em duas franquias de orçamentos e arrecadações astronômicas – Star Wars e Marvel – e guarda uma estatueta do Oscar em casa. Ainda assim, nunca havia atuado em um seriado. O que mudou isso foi a série A Mulher no Lago, cujos dois primeiros episódios chegaram nessa sexta-feira (19) no Apple TV+.
Até então, nenhuma produção do tipo havia convencido a atriz a embarcar em um projeto tão longo e trabalhoso. Mas A Mulher no Lago tinha características irresistíveis: uma trama baseada em um livro best-seller nos Estados Unidos, a direção e produção de Alma Har’el, cineasta premiada pelo filme Honey Boy, e uma conexão com a história de Portman e de sua própria família.
Na trama, ela interpreta Maddie Schwartz, uma dona de casa de uma família judaica tradicional que, movida pelo desaparecimento de uma menina judia de 11 anos, decide se separar do marido e perseguir o sonho de adolescente de virar uma jornalista investigativa. O problema é que, no ano de 1966, quando a série se passa, uma mulher não consegue nem vender o próprio carro sem a assinatura do marido.
“Eu estava muito animada para trabalhar com Alma, que tem um talento e um coração extraordinários. Além disso, essa história rara de duas mulheres muito complexas que estão buscando sua própria libertação foi muito empolgante”, diz a atriz em entrevista ao Estadão. Essa segunda mulher é Cleo Johnson, interpretada por Moses Ingram, uma mãe trabalhadora batalhando para traçar seu próprio caminho em uma comunidade marcada pela violência e pelo machismo.
Cleo é a narradora da série, contando os acontecimentos que levaram ao seu assassinato (calma, não se preocupe, isso não é um spoiler). De início, as vidas de Cleo e Maddie parecem não ter ponto de intersecção, mas ficam cada vez mais interligadas quando a personagem de Portman se muda para um bairro mais pobre predominantemente ocupado pela população negra da cidade de Baltimore, que vivia o auge da segregação racial.
O que se desenrola a seguir é um suspense frenético conduzido pelas escolhas, nem sempre corretas, dessas duas mulheres. A história original do livro The Lady In The Lake, de Laura Lippman (ainda sem edição nacional), foi inspirada por dois casos reais de assassinatos em Baltimore na década de 1960. A trama foi destrinchada e ampliada por Har’el em sete episódios – os próximos cinco serão lançados nas sextas-feiras até o dia 23 de agosto.
Judeus imigrantes nos EUA
O que tudo isso tem a ver com a história de Portman? Os avós da atriz, que também é judia, emigraram da Europa para Baltimore em uma época semelhante à que a produção se passa. Ela explica que tanto sua personagem quanto seus parentes passaram pelo processo de “assimilação social”, quando um grupo adquire características culturais de outro – algo que foi muito comum entre imigrantes judeus após a Segunda Guerra Mundial.
Maddie, mais de uma vez, é tratada como não judia, até o momento em que revela seu sobrenome e a associação é feita. “A história da assimilação judaica é, na verdade, uma história de sobrevivência. E sei que em minha própria família, por exemplo, meu avô mudou seu nome para parecer menos judeu nos anos 1950, porque ninguém queria fazer negócios com ele”, conta Portman.
“Essa mudança para aderir ao falso conceito de branquitude foi obviamente um mecanismo de sobrevivência, mas também um mecanismo que tem conotações muito difíceis, porque você está entrando em uma estrutura hierárquica de poder que não é correta, mas, claro, por necessidade de autopreservação”, completa.
Essa complexidade se manifesta, na série, na relação de Maddie com a comunidade negra e as pessoas por quem ela se cerca. Por vezes, ela os vê como aliados, quando, aos olhos do resto da sociedade, está em uma posição superior, sem sofrer as consequências da segregação.
A diretora e roteirista Alma Har’el, que, assim como Portman, nasceu em Israel, diz que a identificação com a trama também foi um fator importante na decisão de produzir a série: “Eu me identifiquei com isso a partir da minha própria identidade como judia que imigrou para os EUA. Também achei que era uma plataforma muito grande que me permitiria fazer experiências com meu próprio estilo”. A cineasta misturou características do cinema noir e de seus trabalhos anteriores como documentarista e diretora de videoclipes.