O clima mudou. A pauta dos políticos, não. Nem a ferocidade do desastre do Rio Grande do Sul, em maio, levou a prevenção e a adaptação a extremos climáticos ao protagonismo da agenda eleitoral. Prefeituras e câmaras municipais são as principais instâncias na construção de reações a enxurradas, inundações e deslizamentos. Mas a maioria dos programas de candidatos a prefeito trata o tema com superficialidade e de forma vaga, quase sempre deixando estratégias de longo prazo de lado.
As promessas mais diretas são relacionadas a ações de Defesa Civil, como instalação de sistemas de alarmes ou obras de drenagem. Mas enquanto se preocupam em dar respostas a tragédias já ocorridas, os candidatos pouco formulam maneiras, por exemplo, de evitar emissões de gases de efeito estufa ou adaptar suas cidades. O descompasso entre a emergência climática e as propostas revela uma lacuna na agenda política municipal, afirmam especialistas. E essa é uma eleição-chave para a construção da resiliência climática.
É a primeira disputa desde a promulgação, em 2021, da Lei Federal 14.285, que alterou o Código Florestal e transferiu para os municípios a responsabilidade pela ocupação das Áreas de Preservação Permanente em áreas urbanas. Cabe a eles o poder de permitir ou não a ocupação das margens de rios. Também são os municípios que decidem o limite seguro para ocupá-las.
Esse ponto, crítico para a ocorrência de desastres como as tragédias gaúcha e a de Petrópolis, em 2022, passa praticamente ignorado da maioria dos planos de governo. Candidatos como Guilherme Boulos (PSOL), em São Paulo, Alexandre Ramagem (PL), no Rio, e Sebastião Melo (MDB) e Maria do Rosário (PT) em Porto Alegre, dão nomes a futuros planos com foco em mitigação e adaptação climática, com diretrizes, mas sem metas detalhadas.
Em Belo Horizonte, as candidaturas bem colocadas nas pesquisas — Mauro Tramonte (Republicanos) e o atual prefeito Fuad Noman (PSD) — ilustram como a pauta vem sendo tratada. Ambos citam a relevância das mudanças climáticas no futuro das cidades, mas não especificam um programa sequer de enfrentamento direto e se limitam a propostas de arborização, criação de parques e incentivos à coleta seletiva. Em São Paulo, o candidato Pablo Marçal (PRTB) não cita nenhuma proposta concreta, além da despoluição do Rio Tietê.
Já a ampliação de sistemas de alarme e mapeamentos de área de risco aparecem em quase todos programas das principais candidaturas de Rio, Belo Horizonte, São Paulo, Recife, Salvador, Porto Alegre e cidades atingidas por tempestades, como Niterói, Petrópolis e os municípios do Rio Grande do Sul.
Planos mais detalhados costumam ser de instalação de parques e corredores verdes, como nas propostas de Ricardo Nunes (MDB), em São Paulo, e de Bruno Reis (União Brasil), em Salvador, hoje a quarta cidade do país no ranking de deslizamentos e inundações do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). No Rio, Eduardo Paes propõe o reassentamento de populações que vivem em áreas de inundação, e o programa de Reis é um dos poucos a ter programa a longo prazo, no caso a renaturalização do Rio Camarajipe.
Longo prazo
Regina Alvalá, diretora do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), critica a falta de foco nas estratégias de longo prazo. “Não basta instalar sirenes e sistemas de alerta. Precisamos de políticas públicas que integrem a adaptação climática ao planejamento urbano desde o início”, afirma.
Henrique Frota, diretor executivo do Instituto Polis, aponta que a falta de foco na prevenção e na adaptação a longo prazo é um problema recorrente. Ele cita uma pesquisa recente do instituto para dizer que a população tem se interessado mais pelo assunto porque agora “sente na pele” os impactos. Mas ainda não é o suficiente.
Nas cidades do Rio Grande do Sul, devastadas pelo desastre de maio, a pauta climática está em todas as propostas — a maioria das ações foca na reconstrução das cidades e na recuperação de infraestrutura pública, habitações, além de obras em diques e fortalecimento de Defesa Civil.
Para projetos de maior dimensão, de contenção de enchentes, muitos programas citam a necessidade de parcerias com os governos estadual e federal. E realocação de populações de áreas devastadas são pontuais.