Quinta-feira, 14 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 26 de setembro de 2024
Muita gente recorreu aos jogos de azar online durante a pandemia. E embora grande parte de nós seja capaz de apostar recreativamente, sem sérios impactos negativos, a pandemia levou a um aumento na dependência deste tipo de jogo.
A jornada do vício em jogos de azar começa de forma inofensiva, quase como uma simples diversão. Uma aposta modesta em um jogo de sorte traz um momento de alegria e, ocasionalmente, algum lucro. A sensação é tão envolvente que, ao retornar à rotina, a mente começa a divagar sobre a possibilidade de jogar novamente. Com o tempo, tanto os valores apostados quanto a duração das jogadas aumentam.
Esse ciclo vicioso se repete incessantemente, afetando vidas em todo o mundo. Conhecida como ludopatia, a dependência de jogos de azar é reconhecida globalmente e, desde a década de 1980, é classificada como uma doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
De acordo com a estimativa mais recente da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2016 a perda global anual dos apostadores foi estimada em US$ 400 bilhões.
Hoje, essa condição é chamada de transtorno do jogo, sendo categorizada como uma dependência comportamental, assim como a compulsão por pornografia, compras excessivas ou o uso exagerado de videogames.
Esse transtorno afeta o circuito de recompensa do cérebro, que é ativado por prazeres simples, como comer, socializar ou se envolver em relações íntimas. No entanto, substâncias como álcool ou cocaína estimulam esse sistema de forma mais intensa e duradoura. O mecanismo cerebral do jogo patológico se assemelha: a própria busca por riscos já proporciona uma sensação de recompensa.
– Então, o vício em jogos se comporta de maneira semelhante aos vícios em drogas e álcool? Sim, de certa forma. Todos exigem um uso crescente para alcançar a mesma sensação de prazer. Para que o diagnóstico de transtorno do jogo seja feito, é necessário que a pessoa apresente uma série de sintomas por pelo menos 12 meses. Esses sintomas incluem sinais de abstinência e a persistência do comportamento, mesmo diante de consequências negativas, que podem impactar a vida pessoal, profissional ou educacional. Em situações extremas, nem é necessário esperar um ano para reconhecer a gravidade da condição.
– O cérebro do jogador: A partir de estudos de neuroimagem, fica claro que existem várias regiões do cérebro associadas ao jogo de azar. Pesquisas mostraram que regiões importantes associadas à tomada de decisão arriscada incluem o córtex pré-frontal ventromedial (envolvido na tomada de decisão, memória e regulação das emoções); o córtex frontal orbital (que ajuda o corpo a responder às emoções); e a ínsula (que regula o sistema nervoso autônomo). Os jogadores compulsivos podem, portanto, apresentar uma maior atividade nestas áreas. Quando os jogadores observam o resultado de sua aposta, eles também apresentam uma ativação cerebral aumentada no sistema de recompensa do cérebro, incluindo o núcleo caudado. E isso pode ser particularmente forte em pessoas viciadas em jogos de azar.
A dopamina, neurotransmissor que ajuda as células nervosas a se comunicarem, também é conhecida por ser uma importante substância química no sistema de recompensa do cérebro. Um estudo mostrou que jogadores compulsivos apresentaram níveis significativamente mais altos de excitação quando a dopamina foi liberada em seus cérebros em comparação com pessoas saudáveis. A liberação de dopamina parece reforçar a compulsão por jogos por meio do aumento dos níveis de excitação, reduzindo a inibição de decisões arriscadas ou uma combinação de ambos.
– Uma realidade no Brasil: A propensão a desenvolver o transtorno do jogo é uma questão preocupante. No Brasil, a prevalência estimada do transtorno entre a população geral gira em torno de 1%. No entanto, esse percentual pode ser ainda maior atualmente, especialmente devido às mudanças nas leis e ao acesso facilitado aos jogos online, que têm atraído novos públicos. Anteriormente, o vício era mais comum entre homens que buscavam jogos em ambientes de risco. Hoje, observamos um aumento significativo no atendimento a mulheres, muitas vezes donas de casa, além de uma preocupação crescente com adolescentes e crianças. Essa mudança de perfil é notável, especialmente em um cenário onde o número de pacientes com transtorno do jogo tem crescido rapidamente.
As opções atuais de tratamento incluem certas formas de terapia cognitivo-comportamental (que pode ajudar as pessoas a mudar padrões de pensamento) e grupos de autoajuda. Alguns medicamentos, como os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRSs), podem ser eficazes na redução de aspectos dos sintomas do transtorno do jogo compulsivo, como a depressão.
Grupos como os Jogadores Anônimos, que funcionam de maneira semelhante ao Alcoólicos Anônimos, oferecem suporte e recursos valiosos. É importante também procurar ajuda profissional, mesmo que as políticas públicas no Brasil ainda estejam em desenvolvimento para lidar com essa questão crescente. (Luiz Severo – Neurocirurgião e especialista em dor crônica/AE)