Terça-feira, 07 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 30 de janeiro de 2021
A neurocientista inglesa Gina Rippon não tira da cabeça uma manchete de 2013 do jornal “Daily Mail”: “Cérebro de homens e mulheres: a verdade!” A edição trazia uma reportagem reproduzindo um estudo da Universidade da Pensilvânia, nos EUA, que provaria, em definitivo, que o cérebro feminino era mais intuitivo e emocionalmente inteligente do que o masculino, este mais lógico e com senso espacial e de coordenação mais apurado.
Tabloides sensacionalistas e veículos mais tradicionais como o “The Independent” reproduziram com alarde a tal “verdade”. Afinal, há séculos se espera provar por A + B que homens e mulheres têm comportamentos e capacidades distintas por causa de suas estruturas cerebrais.
É este tipo de certeza que a pesquisadora quer chacoalhar com “Gênero e os nossos cérebros: Como a neurociência acabou com o mito de um cérebro feminino ou masculino” (Rocco), que acaba de chegar ao Brasil. Com humor, mas sem perder a ciência de vista, ela traça um histórico dos estudos nesta área, aponta comprovações de que o cérebro é plástico, ou seja, nunca para de se reorganizar, e mostra até a influência dos brinquedos (rosa para meninas, azul para meninos…) na mente de bebês.
No livro, ela explica ainda por que muitas das pesquisas que embasam a literatura de “Homens são de Marte, mulheres são de Vênus”, “Como as mulheres pensam” ou “Homens são ostras, mulheres… pés de cabra” partem de premissas reducionistas e estereotipadas. Para a inglesa, que faz parte de um grupo que se denomina neurofeminista, o chamado neurossexismo ajuda a reforçar as desigualdades de gênero.
“Desde o fim do século XVIII, uma agenda domina as análises do cérebro: a diferença entre homens e mulheres . O mundo vai melhorar quando isso for irrelevante. O melhor caminho são pesquisas voltadas para a individualidade”, ela diz, em entrevista por Zoom de Birmingham, na Inglaterra.
Gina deixa claro que diferenças cerebrais entre os sexos até existem em alguns níveis elementares, mas são “minúsculas” e não justificam estardalhaço. Nem conclusões sobre quem “lê melhor um mapa” ou quem “é multitarefa”.
“Pesquisadoras usam o termo neurossexismo para chamar a atenção para estereótipos de gênero tanto em discursos científicos quanto em leigos”, explica Marina Nucci, do Instituto de Medicina Social da Uerj. “Um exemplo é a mulher ser ‘cerebralmente’ mais empática ou ter mais habilidade verbal, e o homem, mais capacidade para se guiar no espaço”.
No coletivo
Marina teve contato com essas ideias pela primeira vez no doutorado em Saúde Coletiva. Na época, descobriu o NeuroGenderings, formado por neurofeministas, que refletem sobre esses reducionismos biológicos e como são apresentados ao mundo. Gina Rippon faz parte desse coletivo e tem um forte trabalho de divulgação científica para evitar que manchetes tipo as do “Daily Mail” voltem a ser publicadas.
“Dizer que as mulheres são diferentes é mais curioso do que afirmar que os sexos são basicamente a mesma coisa, não é?”, brinca a inglesa.
Angelica Di Maio, cartógrafa e professora do Instituto de Geociência da UFF, vê na prática o que a neurocientista inglesa mostra no livro. Ela coordena a Olimpíada Brasileira de Cartografia para alunos do ensino médio. E garante que o desempenho de meninas e meninos é igual — nas vitórias e nas derrapadas: “Na última prova, eles correm com um mapa e uma bússola na mão e têm que entender as dicas do terrenos pela orientação espacial. Meninas e meninos vão bem e mal na mesma proporção”, diz.
E os hormônios? Esta é uma das perguntas que Gina mais escuta: teriam eles papel preponderante na organização neural masculina e feminina? Ela salienta que as pesquisas sobre este tema são feitas principalmente em animais, o que limita conclusões: “Sabemos que os níveis hormonais estão ligados a expectativas sociais em humanos. Hormônios têm um papel, mas não de forma simplificada e direta como acreditam”.
Para exemplificar, ela cita no livro uma pesquisa sobre síndrome pré-menstrual em que muitas mulheres foram levadas a acreditar, propositalmente, que estavam nesse momento do ciclo. Acabaram relatando sintomas correspondentes a SPM. “(Mas) não estou negando que algumas possam ter problemas físicos e emocionais relacionados a flutuações hormonais”, explica.
Para Leticia de Almeida, professora de Neurociência da UFF, há muita discussão relacionando “cérebro e gênero”, mas uma coisa é ponto pacífico entre as pesquisadoras. Não há aspecto cerebral que incapacite mulheres para alguma função. Qualquer tentativa de explicar isso cientificamente pode soar tão misógino como o pensamento do médico e psicólogo Gustave Le Bon, que escreveu em 1895: “As mulheres representam as formas mais inferiores da evolução humana.”