Segunda-feira, 28 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 3 de janeiro de 2024
No ano que passou, 430 mil brasileiros usaram a Cannabis medicinal para tratar casos de doenças como epilepsia, dores crônicas ou transtornos neuropsiquiátricos. Houve alta de 130% em relação a 2022. A maior parte dos produtos é importada.
Somente no primeiro trimestre, o Ministério da Saúde gastou R$ 768 mil para atender a ordens judiciais e fornecê-los aos pacientes, quase o quíntuplo do gasto de 2021. Até outubro, a Anvisa já emitira 114.782 autorizações de importação, 73,4% a mais que no mesmo período de 2022. A maior despesa tem cabido aos Estados: seis unidades da Federação gastaram até outubro R$ 39,1 milhões para atender às ordens da Justiça (R$ 25,6 milhões só em São Paulo).
A corrida ao Judiciário acontece porque a atual legislação permite a importação, mas não o cultivo da Cannabis para fins medicinais. O custo é alto — alguns produtos importados podem chegar a R$ 4 mil — a ponto de impedir muitas famílias de usar o tratamento. As estratégias não garantem sucesso. Em geral, os médicos precisam detalhar os motivos para uso do produto e atestar que já tentaram outros tratamentos. Muitos pacientes procuram a Justiça também em busca de autorização para cultivar a planta em casa. Mas isso ainda é proibido no Brasil.
As dificuldades, aliadas à demanda crescente, têm levado alguns estados a aprovar leis para fornecer os produtos no SUS. São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal já dispõem de legislação sobre o assunto. Sem dúvida é um avanço, mas a questão não se encerra aí. Às vezes, existe a lei, mas não a regulamentação. Na prática, isso acaba privando os pacientes. Não é uma questão simples. Faltam diagnósticos sobre as doenças para as quais o tratamento é recomendado e padronização dos produtos. Muitos não têm indicação clínica específica e não foram submetidos a testes rigorosos, daí serem tratados pela Anvisa como “produtos de Cannabis”, e não como remédios.
Em muitos casos, ainda faltam evidências científicas que comprovem a eficácia do tratamento com esses produtos à base de Cannabis. Mas não se pode ignorar que eles já são usados por milhares de brasileiros. Dezenas de associações reúnem pacientes com o objetivo de obtê-los. O plantio controlado da Cannabis, que baratearia a produção e tornaria o tratamento mais acessível, ainda depende de ordens judiciais frágeis, sujeitas aos humores das diversas instâncias e desvãos do Judiciário brasileiro.
A Justiça não é a instituição adequada para regular uma questão de saúde.
Ainda que o simples debate cause desconforto em grupos conservadores, a questão precisa ser encarada. Ignorar demandas legítimas da sociedade por motivação ideológica, ignorância ou preconceito não costuma ser o melhor caminho para resolvê-las, pois elas não desaparecerão. É hora, portanto, de tratar o tema com seriedade e sem preconceito. Sem regulamentação ou com normas frágeis, impera a desorientação e a insegurança nos tratamentos. Evidentemente, não é o caso de um “liberou geral”, mas de uma regulação cautelosa e sensata. Fechar os olhos é a pior solução. (Opinião, jornal O Globo)