Nos últimos 12 anos, essa faixa etária foi a única a registrar aumento nas mortes relacionadas a bebidas alcoólicas, passando de 42,6% dos casos em 2010 para 55,5% em 2022.
“De um lado, há mudanças típicas do envelhecimento que diminuem a tolerância do corpo ao álcool. Do outro, há fatores comuns dessa faixa etária que fazem com que as pessoas enxerguem a bebida como uma ferramenta equivocada de enfrentamento, como viuvez, solidão, perda de amigos, dificuldades com aposentadoria”, destaca o psiquiatra e presidente do Cisa, Arthur Guerra.
O levantamento, que compila dados de instituições como Ministério da Saúde e Organização Mundial da Saúde (OMS), também revela que a população preta apresenta as maiores taxas de óbitos, seguida pela parda. Em relação ao gênero, o aumento foi de 33,6% entre as mulheres, superando o crescimento de 27,6% registrado entre os homens, embora eles ainda representem a maioria das mortes (68%).
Além disso, um dos principais pontos destacados é que cada faixa de idade interage com o álcool de uma forma diferente, o que reflete nos tipos de óbitos. Enquanto os mais jovens são mais afetados por causas externas, como lesões autoprovocadas e acidentes de trânsito associados ao consumo das bebidas, a partir dos 55 anos, as causas estão essencialmente relacionadas a condições de saúde, como doença alcoólica do fígado, cirrose, hipertensão e transtornos mentais atribuíveis à ingestão de álcool.
No caso das mulheres, a maioria das mortes atribuíveis ao consumo excessivo de álcool está ligada a doenças que têm a bebida como um de seus fatores de risco. Com exceção da cirrose, que representa 7,8% das mortes, as principais causas são hipertensão (7,9%), pneumonia (7%) e câncer de cólon (5,8%). Já nos homens as mortes estão mais associadas a doenças diretamente causadas pelo consumo de bebida, como a doença alcoólica do fígado (21%), transtornos mentais relacionados ao uso de álcool (15%) e cirrose (7%).
É importante destacar que a metodologia do levantamento considerou as mortes diretamente ou parcialmente relacionadas ao consumo de álcool. Isso significa que, mesmo que algumas doenças não sejam causadas exclusivamente pela ingestão excessiva da bebida, o consumo foi identificado como um fator significativo para o falecimento.
Outro ponto que vale ser ressaltado é que, embora a população com mais de 55 anos seja a que mais morre devido ao uso abusivo de álcool, ela não é a que mais consome esse tipo de bebida. Em 2023, essa faixa etária registrou uma prevalência de 8,6% no consumo, enquanto entre pessoas de 18 a 34 anos esse número foi de 26,9% e, entre 35 e 54 anos, de 22,9% — o que indica que, embora o consumo entre os mais velhos seja menor, existem fatores específicos que os tornam mais vulneráveis aos desfechos negativos associados ao consumo.
Mudanças fisiológicas
Entre os fatores específicos da idade, o geriatra Marco Túlio Cintra, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), destaca as mudanças fisiológicas. Nessa fase, há uma redução da capacidade do corpo para lidar com agressões, incluindo o consumo de álcool. “Essas mudanças afetam todo o organismo – fígado, pele, cérebro, coração”, diz.
A diminuição das funções no fígado e nos rins, por exemplo, faz com que o álcool permaneça por mais tempo no organismo, intensificando seus efeitos. “Além disso, a redução da quantidade de água no corpo do idoso faz com que o mesmo volume de álcool cause um impacto maior em comparação a uma pessoa mais jovem”, acrescenta Olivia Pozzolo, psiquiatra e médica pesquisadora do Cisa.
Com essas mudanças, o corpo fica mais vulnerável ao desenvolvimento de doenças, tanto as diretamente relacionadas ao consumo excessivo de álcool, como a cirrose, quanto as crônicas, nas quais as bebidas desempenham papel significativo, como é o caso da hipertensão, doenças cardíacas e até certos tipos de câncer.
(Estadão Conteúdo)