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Variedades No Brasil, Francis Ford Coppola lança filme sobre crise da República e critica Hollywood: “Só se importam com lucro”

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Cineasta vendeu parte de sua vinícola para bancar produção de US$ 120 milhões. (Foto: Reprodução)

O cineasta americano Francis Ford Coppola sempre se identificou com Cassandra, a princesa troiana que, conta a mitologia grega, antecipava as desgraças futuras. A tragédia é que ninguém acreditava nela. Aos 85 anos, o diretor de “O poderoso chefão” e “Apocalypse now” diz que “certa capacidade de prever o futuro” (assim como a “imaginação viva”) é um de seus talentos, como atesta seu novo filme, “Megalópolis”, que estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (31).

Ambiciosa estética e narrativamente, a superprodução não economiza nos efeitos especiais nem em tramas paralelas. E tudo começa com uma profecia. O narrador, interpretado por Laurence Fishburne, avisa que a “República americana não é tão diferente da Roma Antiga” e, como aquela, pode cair, “vítima do insaciável apetite de poder de alguns homens”. Após um período marcado pela insatisfação popular com a desfaçatez das elites (ocupadas em rivalidades internas), a República Romana caiu no século I a.C., tornando-se um império.

“Parapolítico”

De passagem pelo Brasil (ele receberá o Prêmio Leon Cakoff da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo), Coppola disse que já apontava as semelhanças entre os destinos trágicos de Roma e dos Estados Unidos duas décadas atrás, quando começou a pensar no roteiro.

“Me perguntavam: “por que falar disso?”. Mas agora está claro que está prestes a acontecer nos EUA o que aconteceu em Roma: corremos o risco de perder nossa República e terminar com um ditador. Pode acontecer na semana que vem”, diz o cineasta, referindo-se às eleições da próxima terça-feira (5). “Está acontecendo em todo o mundo, é uma nova forma de estupidez que chamamos de fascismo.”

Coppola, porém, insiste que “Megalópolis” (que tem o subtítulo “uma fábula”) não é um filme político, mas “parapolítico”: “Política é acúmulo de riqueza e poder. A discussão que eu proponho está acima disso, é sobre o que é uma boa sociedade”.

No filme, esse debate é capitaneado por Cesar Catilina (Adam Driver), arquiteto que projeta uma cidade futurista, onde, diz ele, todos voltarão a sonhar. Cesar ganhou um Prêmio Nobel por inventar um material revolucionário, o Megalon, para construir sua utopia urbana e é capaz de parar o tempo. Coppola conta que o personagem é parcialmente inspirado no ex-governador do Paraná Jaime Lerner, responsável por reformas urbanas em Curitiba que impressionaram o cineasta, que visitou a cidade em 2003.

Cesar Catilina pertence a uma família de banqueiros, cujo patriarca, seu tio Hamilton Crassus III (Jon Voight), vive em pé de guerra com Franklyn Cicero (Giancarlo Esposito), o prefeito de Nova Roma (a Nova York pouco disfarçada onde se passa a trama). Ainda enlutado pela morte da mulher, o Cesar de Coppola se envolve com Julia (Nathalie Emmanuel), a filha do prefeito. Seu maior rival é seu primo Clodio (Shia LaBeouf), que desponta como líder populista por ter certas características como ausência de limites, ser “meio louco” e um “entertainer” (espécie de animador de plateias). Catilina, aliás, é o nome de uma família romana que articulou um golpe de estado no século I a.C.

Ao lado da crítica ao reacionarismo, Coppola não quis fazer um filme “woke”, isto é, de acordo com determinada cartilha que se pretende progressista em Hollywood. Tanto é que escalou atores “cancelados”, como Voight, pai de Angelina Jolie e um apoiador de Trump, e LaBeouf, que já foi acusado de assédio pela ex-namorada.

“Não importa qual é a sua opinião política, todos somos membros da família humana e devíamos estar trabalhando juntos para criar um mundo melhor em vez de perder tempo com guerras sem sentido”, defende o diretor, que já venceu cinco Oscar e pede chá de camomila entre uma entrevista e outra.

Embora a trama de “Megalópolis” tenha ocorrido ao cineasta há duas décadas, desde o início dos anos 1980 ele já aventava um projeto no qual pudesse explorar seu estilo, burilado no desenrolar de décadas, e que ele define como “uma busca pelo poético até o limite do abismo”. Curiosamente, essa parece a descrição de uma das primeiras cenas de “Megalópolis”, em que Cesar se equilibra no topo de um edifício enquanto contempla a silhueta urbana de Nova Roma.

A ambição estética de Coppola, no entanto, não bastou para chamar atenção do público. “Megalópolis” decepcionou nas bilheterias dos EUA e do Canadá, onde estreou em 27 de setembro. No primeiro fim de semana em cartaz, arrecadou apenas US$ 4 milhões. O filme custou US$ 120 milhões. Suspeitando que “Megalópolis” não atrairia multidões aos cinemas, nenhum grande estúdio hollywoodiano se propôs a financiá-lo e Coppola vendeu parte de sua vinícola na Califórnia para tocar o projeto.

O New York Times noticiou a decepção na bilheteria, mas fez uma ressalva pertinente: já não é mais tão fácil fabricar um arrasa-quarteirão como nos anos 1980, época em que havia mais salas de cinema, menos opções de entretenimento e os estúdios apostavam em filmes capazes continuar meses em cartaz.

Hoje, a venda de ingressos nos EUA é 46% menor que há 20 anos e espera-se retorno rápido. Filmes que não lotam cinemas imediatamente saem de cartaz. Até agora, “Megalópolis” acumulou US$ 12,5 milhões em ingressos vendidos no mundo todo (US$ 7,6 milhões nos EUA), de acordo com o banco de dados IMDb.

Sintoma de nova crise

Nos anos 1970, Coppola e outros então jovens cineastas como Martin Scorsese e Steven Spielberg salvaram Hollywood de uma crise profunda que remontava à década anterior. Hoje, ele vê as dificuldades de “Megalópolis” como sintoma de uma nova crise no sistema de produção e distribuição de filmes dominado por grandes estúdios.

“Duas instituições estão morrendo. Uma delas é o jornalismo. Isso fica claro quando lemos declarações atribuídas a fontes que ninguém sabe quem é. Isso é desespero, é caçar cliques para sobrevier. O jornalismo, ele precisa renascer. Hollywood também está morrendo. Os estúdios só se preocupam se o filme vai dar lucro, não se é bom ou ruim”,  reclama Coppola. “Eles são os donos da linha de produção, controlam quantas estrelas vão atuar num filme, o que dizem o Rotten Tomatoes e CinemaScore, e assim convencem o público a ir ao cinema ou não. É claro que “Megalópolis” não tem como concorrer com “Homem-Aranha 6” ou sei lá o quê.”

Parte da crítica também torceu o nariz para “Megalópolis”. Houve reclamações de atuações irregulares e de pontas soltas deixadas pelo filme, que propõe várias discussões (dos impasses do projeto civilizatório à relação dos artistas com o tempo) que são mais ou menos abandonadas pelo caminho, eclipsadas pela profusão de efeitos especiais e referências literárias e filosóficas.

Coppola dedicou “Megalópolis” à mulher, Eleanor, morta em maio, aos 87 anos. Ele lamenta que falatório sobre o mau desempenho do filme tenha abafado as discussões propostas, como a busca por uma nova utopia capaz de orientar a construção de um futuro mais solidário. No entanto, dadas as proporções romanas da crise, ele não vê como a situação poderia ser outra.

“Só se importam com filmes sem qualquer mensagem, cujo único objetivo é o lucro”, diz ele, antes de avisar que, mesmo que não lhe deem ouvidos, não vai parar de profetizar. “Vou continuar fazendo filmes, já encontrei o meu estilo e não sei fazer outra coisa.”

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