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Por Redação O Sul | 22 de novembro de 2016
Hum… Abacate?”, diz o garoto observando um pimentão. Tenta de novo emplacar o nome: “Abacate?”, agora com os olhos em um chuchu. A cena, de provocar risos nervosos, está em “Muito Além do Peso”, documentário de Estela Renner sobre o avanço da obesidade entre crianças brasileiras, cada vez mais distantes da comida “de verdade”. Um terço da população com idade entre 5 e 9 anos está acima do peso. Há quatro décadas, essa parcela era de um décimo. Entre os adultos, pior ainda: mais da metade pesa mais do que deveria.
Como problema de saúde pública no País, o excesso de comida superou a falta. Hoje 1,7% dos brasileiros não se alimenta o suficiente, índice considerado baixo pela FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura). Ainda assim, são muitos nessa situação: 3,4 milhões – mas há 20 anos eram 22,5 milhões, 14,8% da população.
Do lado em que não falta alimentos, a vida agitada, com menos tempo para o preparo em casa, é a resposta fácil para a opção por industrializados. De quebra, os preços são geralmente mais baixos do que os dos produtos in natura; e, à base de muito sal, gordura e açúcar, tudo sai da embalagem pronto para agradar o paladar. Mas o barato sai caro. A obesidade já é a terceira maior causa de impacto econômico global, atrás de conflitos armados e tabagismo.
O brasileiro, em média, come quantidades aceitáveis de proteínas e lipídios. A fraqueza maior está nos carboidratos que escolhe: não resiste a uma vida bem doce.
O recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) é que até 10% das calorias ingeridas por dia sejam de açúcares livres, como são chamados aqueles que adicionamos às comidas e bebidas, sem que façam parte dos ingredientes naturalmente. Não é à toa que mais de um quinto da população diz consumir doces cinco ou mais vezes por semana: por aqui, 16,7% das calorias vêm dos tais açúcares livres. Os jovens são ainda mais fãs. Entre quem tem de 18 a 24 anos de idade, o índice de ingestão frequente sobe para mais de 28%, segundo a Pesquisa Vigitel mais recente, de 2015, feita pelo Ministério da Saúde.
Para ter uma ideia, a quantidade que se encaixa na recomendação da OMS corresponde a dez colheres de chá de açúcar por dia. Parece bastante – até aprendermos que uma lata de refrigerante, sozinha, tem de sete a oito colheres. No Brasil, 19% da população bebe refrigerantes ou sucos artificiais diariamente.
Falta de educação.
A educação é a base de tudo. A frase é lugar-comum, mas é a resposta dos especialistas em nutrição para o combate ao excesso de peso. A relação entre os temas é clara – e cruel. No Brasil, os que têm menos tempo de estudo – e são, consequentemente, mais pobres – tendem a engordar mais. A falta de recursos para comer com qualidade e o desconhecimento de cuidados com a saúde explicam a equação.
É por falta de consciência que o brasileiro ainda acredita ter bons hábitos. Pesquisa da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia) realizada em 2014 mostrou que, entre 500 entrevistados, 68% disseram crer ter uma alimentação saudável, o que não correspondia ao consumo relatado de frutas, verduras, legumes e alimentos integrais versus industrializados e fast-food.
Foi assim, quase sem perceber, que a população adulta do País passou de cerca de 23% com excesso de peso na década de 1970 para mais da metade nessa situação nos anos 2000. “Vários movimentos acontecem em paralelo. Primeiro, há a questão dos preços dos alimentos industrializados, menores do que os dos produtos in natura”, diz o nutricionista Rafael Claro.
“O segundo é que os pontos de venda dos produtos processados aumentaram. Eles estão em farmácias, bancas de jornal, todo lugar que vende algo. E aí vem outro ponto, que é a comodidade: esses produtos duram muito tempo na prateleira e estão prontos para comer. Sem falar no marketing agressivo que existe para vendê-los.”
Não chega a 40% a parcela de brasileiros adultos que consome a quantidade de frutas e hortaliças recomendada por dia.