Ícone do site Jornal O Sul

No Rio de Janeiro, bandidos passam a cobrar taxa até em condomínios militares

Condomínio da Comunidade Residencial Aeronáutica. (Foto: Reprodução/Google Maps)

A população do bairro da Praça Seca, que há anos enfrenta o controle armado de criminosos, vê as extorsões da milícia avançarem sobre uma espécie de última fronteira: o condomínio criado para militares, o Comunidade Residencial Aeronáutica. Há registros da cobrança de uma taxa de segurança de R$ 30 mensais. As informações são do jornal O Globo.

Ao todo, são 656 apartamentos em 41 blocos habitados, em grande parte, por militares da reserva. Na região, abalada por confrontos constantes, os paramilitares não param de espalhar seus tentáculos.

“Entraram nos prédios e bateram de porta em porta. Para quem não tinha o dinheiro na hora, disseram que voltariam no dia seguinte (sexta-feira). Ficou todo mundo acuado e com medo do que pode acontecer”, contou um morador na última quarta-feira, que pediu anonimato com receio de represálias.

Vizinhança assustada

O condomínio, na rua Barão, foi inaugurado em 1972. Na época, era um investimento de uma cooperativa de aeroviários e militares da Aeronáutica num bairro, até então, bucólico e de classe média. Durante anos, o conjunto foi administrado por integrantes da FAB (Força Aérea Brasileira). Mas assistiu a seu entorno favelizar e à região entrar no mapa da violência do Rio. Antes da milícia, o tráfico no Morro da Barão, localizado ao lado do conjunto, também já causou problemas. Saiu um grupo criminoso, entrou outro. E a paz não voltou mais.

Hoje, muitos dos antigos moradores foram embora, mas militares e seus parentes continuam sendo uma parcela significativa dos condôminos. Mesmo com a presença de tantos agentes de uma das principais forças de segurança do País, moradores de pelo menos dois blocos, que somam 32 apartamentos, já teriam pagado os R$ 30 por imóvel estipulados pela milícia.

Mas com um detalhe: num modus operandi semelhante ao adotado em condomínios próximos, dizem algumas das vítimas, os criminosos excluíram da cobrança as residências de famílias que tenham algum parente com problemas mentais ou deficiência física, idosos acamados e, neste caso específico, os próprios militares da Aeronáutica, que pouco puderam fazer pelos vizinhos.

Na última quarta-feira, três jovens praticavam as extorsões, segundo descreveram os moradores. O comportamento dos milicianos chamou atenção porque pareciam nervosos, diferentemente de um grupo de homens que, há cerca de três meses, também esteve no condomínio oferecendo serviços de segurança.

Após denúncias, ainda na quarta à noite, policiais militares do 18º BPM (Jacarepaguá) estiveram no condomínio, mas os criminosos não foram encontrados. Segundo policiais civis, não houve denúncias à delegacia local, a 28ª DP (Praça Seca), sobre a presença de milicianos no condomínio da Aeronáutica. Mas um agente ressaltou que toda a região de Jacarepaguá e adjacências está tomada pela milícia. A cobrança de R$ 30 por apartamento, na opinião do policial, pode ser considerada baixa.

Investigação sigilosa

A Draco (Delegacia de Repressão ao Crime Organizado), da Polícia Civil, investiga a ação do grupo que age na Praça Seca. Questionada na sexta-feira sobre as denúncias relativas ao condomínio da Aeronáutica, respondeu, por meio de nota, que “apura em sigilo informes do gênero”. Também procurado, o Ministério da Defesa ressaltou que o condomínio não integra os imóveis de seu PNR (Próprio Nacional Residencial), mas não comentou o fato de as ameaças ocorrerem num conjunto onde ainda residem muitos militares.

Num condomínio próximo ao Comunidade Residencial Aeronáutica, no último mês de junho um morador chegou a gravar um áudio em que uma funcionária da administração explicava como seriam as cobranças .

Bairro virou uma praça de guerra há pelo menos dois anos

Há pelo menos dois anos se acirraram as disputas entre traficantes e milicianos na Praça Seca. No último mês de março, por exemplo, foram dez dias seguidos de tiroteios. Ao longo de todo este ano, até o último dia 7 de agosto, dos cinco mil tiroteios registrados no Grande Rio pelo laboratório de dados sobre violência armada Fogo Cruzado, 113 tinham ocorrido na Praça Seca, o que deu à região o quarto lugar no ranking dos bairros mais conflagrados.

Se considerados os números de homicídios dolosos divulgados pelo ISP (Instituto de Segurança Pública do Rio), a letalidade violenta na circunscrição da 28ª DP (Praça Seca) caiu 25% em relação ao mesmo período do ano passado, de 31 para 23 mortes (por homicídio doloso, lesões corporais seguida de morte, latrocínio e mortes por intervenção de agente do Estado). Nada que signifique, no entanto, que os moradores podem se sentir mais seguros.

Sair da versão mobile