Quinta-feira, 14 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 11 de novembro de 2024
Hope e William Gagnon saíram de Detroit, nos EUA, com destino a Cancún, no México, e, assim que chegaram, foram abordados pelo vendedor de um clube de férias. Menos de 24 horas depois, tinham concordado em pagar US$ 27 mil pela adesão – compromisso e tanto para ela, que era especialista em opinião dos clientes, e para ele, que era entregador hospitalar.
Eles compraram o que acreditavam ser o que o Unlimited Vacation Club (UVC, ou Clube de Férias Ilimitadas) estava vendendo: semanas inteiras de estadas em resorts de luxo com suítes opulentas, situados em praias impecáveis, com direito a bar à beira da piscina e concierge particular – e tudo de graça, ou pelo menos com enormes descontos.
Entretanto, descobriram depois da assinatura do contrato que as restrições eram inúmeras. A inacessibilidade de muitos hotéis, as taxas embutidas e a exigência de pagamentos extras para garantir o luxo dos quartos mais descolados impossibilitavam a reserva para o tipo de experiência que tanto os impressionara no encontro com o representante. “Foi quando caiu a ficha de que tínhamos sido enganados”, lamentou Hope.
Os clubes de férias são a nova versão do timeshare – programa muito criticado, e até ridicularizado, pelo uso de táticas de venda agressivas para convencer os membros do público a “comprar” parte de uma propriedade, conquistando com isso o direito de uso durante certo número de dias por ano. No novo formato, não há titularidade; em vez disso, a pessoa dá uma entrada na adesão e continua com pagamentos mensais para ter desconto em determinada seleção de hotéis.
Embora o sistema tenha lá seus fãs, dezenas de membros antigos e atuais do UVC disseram ao “The New York Times” que as mordomias e os quartos luxuosos nunca se materializaram por causa das restrições de datas. Os benefícios são mais modestos que os descritos, ou pelo menos bem mais complicados: por exemplo, o desconto de 25% em relação ao preço de mercado de determinada suíte exige horas de pesquisa na internet para a comparação de preços.
Muitos contaram que se viram presos a um contrato oneroso, assinado depois de um discurso longo, em um ambiente sedutor, com direito a quantidades copiosas de bebida alcoólica como cortesia. Acontece que as promessas que ouviram divergem drasticamente do documento – que descrevem como volumoso e complexo, e que nem tiveram a chance de ler, pois a assinatura é feita no tablet, onde as letras aparecem tão pequenas que lembram muito uma bula de remédio.
Técnicas de vendas escusas e bebida farta não são os únicos fatores de manipulação; mais atraente é o nome que aparece como aval da transação: Hyatt. Segundo os registros públicos da companhia, é a cadeia que administra o clube, obtendo lucro com as taxas e os royalties – só que, entre tantas cláusulas escusas, há uma afirmando que a adesão é regida pelas leis do Panamá.
“Só fui nessa porque minha filha joga softbol e tem de viajar pelo país. Já ficamos em todo tipo de acomodação que você pode imaginar. E, é claro, quando vê o nome Hyatt, você imagina que vai ser tudo nos conformes”, disse Joe Robinson, dono de uma mecânica de caminhões na Louisiana que fechou negócio em meados deste ano em um resort mexicano da empresa.
O Better Business Bureau deu sua nota mais alta para a Hyatt Hotels Corp., ou seja, “A+”; por outro lado, desde 2014 o clube vem recebendo nota “F”, resultado do volume de reclamações e da inação da UVC em relação a um terço dessas queixas, como revelou Cinthya Lavin, vice-presidente de comunicações do grupo de proteção ao consumidor.
Milhares de norte-americanos têm usado as redes sociais para alertar o público e pedir que não chegue nem perto do programa. Um grupo no Facebook, criado em 2015 por uma mulher que alega ter sido enganada, já tem mais de 12 mil membros.
O “The Times” analisou 29 contratos de membros antigos e atuais e entrevistou 51 pessoas, inclusive Robinson e os Gagnon, que afirmam ter sido ludibriados. Normalmente, quando o recém-associado começa a questionar o investimento pesado que acabou de fazer, já é tarde para voltar atrás, pois tem apenas cinco dias úteis para o cancelamento, o que significa que o contrato passa a valer quando ainda está de férias.
O Unlimited Vacation Club não atendeu a nossos inúmeros pedidos de entrevista e esclarecimentos para esta matéria. Em resposta à nossa lista bem minuciosa de perguntas, o representante do Hyatt se recusou a dar detalhes em relação ao oferecimento de bebidas alcoólicas, à ausência de contrato impresso e à preocupação de muitos clientes ao assinar algo que não conseguiam ler.
“O Hyatt tem um compromisso inabalável com a responsabilidade na condução de negócios e se dedica a manter o nível mais alto de prestação de serviços. O UVC é alvo de todo tipo de reação do consumidor, inclusive os 20% de membros que optam por fazer upgrade do plano, baseados em experiências positivas”, declarou Rodrigo Llaguno, presidente do grupo do Unlimited Vacation Club, Hyatt, por e-mail.
Os problemas dos Gagnon começaram com um vendedor que lhes ofereceu primeiro uma excursão com desconto a uma ruína maia, ainda no aeroporto de Cancún – mas, para obter os ingressos, tinham de ir para o resort Secrets The Vine no dia seguinte. Eles iam se hospedar em um hotel mais em conta.
Resorts como esse em que o casal tinha acabado de entrar fazem parte de um esquema estratégico do Hyat,t que, como outras grandes cadeias, incluindo Marriott e Hilton, está deixando de adquirir hotéis próprios para faturar apenas com a administração e a franquia, segundo analistas do setor. Com isso, uma imensa parte de seus lucros passou a ser resultado desses encargos depois da aquisição, em 2021, do Apple Leisure Group por US$ 2,7 bilhões, a maior de sua história. De acordo com apontamentos internos, o pacote inclui as marcas Secrets, Breathless e Dreams, proporcionando um espaço gigantesco de 99 resorts no México e no Caribe – e, de quebra, também o Unlimited Vacation Club. A empresa acabou vendendo sua participação majoritária abruptamente este ano, mas continua a administrá-lo.