A temperatura média global vem batendo recordes sucessivos, levando os climatologistas a alertar o mundo para um ponto de ruptura de caráter irreversível. Contudo, a tendência de flertar, com certo descaso, perigos de grande monta que rondam a existência humana, não é de agora. Desde o surgimento da tecnologia nuclear, quando a humanidade se deparou, pela primeira vez, por sua conta e obra, com a possibilidade real de extinção em massa da vida no planeta, podemos afirmar que estamos caminhando sobre uma estreita e instável faixa de segurança, sujeita aos humores de quem nos governa, mas não somente a isso. Nesse sentido, há poucas semanas, perguntado por qual razão o Google não suspendia o desenvolvimento das pesquisas na área de Inteligência Artificial, que tanto sobressaltos tem causado à comunidade científica, um alto dirigente da empresa teria dito: “Se fizermos isso, a concorrência nos ultrapassa”. Tanto a lógica que governa a competição econômica e que impede um freio na guerra comercial entre as gigantes tecnológicas, quanto a motivação que nos levou à corrida atômica, podem ser também claramente observadas na questão climática, como bem denota a prevalência de ambições imediatas em detrimento de um pacto pelo futuro. Ninguém cede, ninguém recua, pouco de avança.
Por trás dessa miopia coletiva e potencialmente fatal de recalcitrância a alertas sistêmicos, particularmente aqueles que demandam a coordenação de atores em estágios e locais contingentes, combinam-se variados interesses, porém com um ponto em comum: todos os macroproblemas globais carecem de cooperação, enquanto, em contraste, a arquitetura social, econômica e política vigente foi até agora assentada sob a égide da competição e não da colaboração. Assim, o foco extremado no indivíduo e nas suas possibilidades, ao tempo em que estimula maior esforço, criatividade e inovação, oblitera a visão sistêmica e desobriga sentimentos de maior solidariedade e coesão social. Esse quadro de interesses difusos e prioridades conflitantes, naquilo que concerne às aspirações comuns, denota violação da própria racionalidade, já que não faria nenhum sentido resistirmos a políticas que buscam a preservação do planeta que todos habitamos. Nessa perspectiva, não é exatamente racional ignorar as toneladas de evidências presentes na questão climática, mas sim a prova da completa irracionalidade que contaminou o tema.
A questão ambiental, entretanto, não chegou ao presente quadro de emergência por falta de advertências, inclusive aquelas de caráter pungente a até aflitivas. Bruno Latour, destacado sociólogo, antropólogo e filósofo francês é um dos pensadores da atualidade que lutam contra a negação dos perigos que nos rodeiam, de forma especial os relacionados à degradação do planeta, ao que chama de mutação climática, um estágio, diferente de crise ambiental, para o qual não haverá mais volta. Momento definitivo, trágico, e por isso mesmo urgente, inadiável, de enfrentamento inescapável. É nesse teatro de guerra que se trava a batalha determinante, aquela para a qual não existe abrigo seguro, para onde correr, para onde fugir. Latour, compreendendo esse contexto negatório do óbvio como demasiadamente humano, e por conta disso, tão instável, patético e paradoxal, apela para nosso afeto ao territorial, ao material, à universalidade que poderia nos unir e tocar aos sentirmos que o solo está em vias de ceder, de ruir, de sucumbir. Essa questão da vertigem que nos acomete, nos amedronta e gera pânico deve ser canalizada, antes da negação em curso, para uma consciência em ação. Se a batalha climática, nas palavras de Bruno Latour, se transformou em território, e esse território some debaixo dos nossos pés, essa nova universalidade está a clamar por entendimento e consenso, mesmo que precários, antes que o medo nos paralise. As últimas cinco grandes extinções que varreram nosso planeta não tiveram o nosso concurso. Que não seja pela estupidez humana que a sexta se torne realidade.