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Nova ferramenta do ex-Twitter permite uso político e desafia o Tribunal Superior Eleitoral nas eleições

A expectativa é que o TSE volte a debater regras para campanhas políticas no ambiente digital. (Foto: José Cruz/Agência Brasil)

O sistema colaborativo de verificação de informações da rede social X (antigo Twitter), batizado de “Notas da Comunidade”, mostra uma nova preocupação para as próximas eleições em diversos países e vai desafiar a Justiça Eleitoral brasileira em 2024.

Lançado em março no Brasil, o recurso permite que um conjunto de usuários comuns, previamente cadastrados e aprovados pela rede, possa inserir e avaliar textos em postagens de terceiros com o objetivo de “contextualizar” conteúdos. A prática, no entanto, permitiu nos últimos meses a veiculação de desinformação e mensagens enviesadas.

As Notas da Comunidade se tornaram a principal aposta da empresa, comprada no ano passado pelo bilionário Elon Musk, para o combate a fake news, em meio ao esvaziamento de suas políticas de moderação de conteúdo. Em setembro, o magnata anunciou, por exemplo, a demissão de grande parte da equipe encarregada de preservar integridade eleitoral. O pleito municipal do ano que vem será o primeiro no Brasil com o programa em funcionamento.

Essas notas já foram usadas em postagens envolvendo o governador de Minas, Romeu Zema (Novo), e a deputada estadual Renata Souza (PSOL-RJ) para rebater opiniões e dar mais visibilidade a determinados posicionamentos políticos. Em agosto, uma postagem do deputado federal Carlos Zarattini (PT-MG) com críticas a Zema, por exemplo, recebeu uma nota em defesa do mandatário. O petista classificara como ataque ao Nordeste uma declaração do governador em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo” na qual Zema comparou a região a “vaquinhas que produzem pouco”. O texto aprovado pelos usuários diz que o governador “não fez nenhum ataque”.

No caso da parlamentar fluminense, as mensagens de contexto fizeram-na alvo de insultos e provocações. Em outubro, o perfil de Renata Souza recebeu uma nota após ela relatar que uma plataforma de inteligência artificial havia incluído uma arma de fogo em uma ilustração para retratar uma mulher negra em um cenário de favela mesmo sem ter havido um comando para isso. O texto aprovado por usuários do X lança dúvidas sobre a denúncia feita pela deputada e afirma que “é duvidoso que a IA tenha inserido uma arma de fogo na imagem sem uma solicitação específica”.

A própria Microsoft Bing, responsável pela plataforma usada pela deputada, informou, na época, que investigaria o relato de Renata Souza e tomaria medidas adequadas para ajustar o serviço. Após a nota no X, a deputada conta que passou a receber ataques racistas em diferentes redes. Recentemente, ela registrou um boletim ocorrência na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) contra usuários que publicaram mensagens racistas.

A expectativa é que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) volte, nos próximos meses, a debater regras para campanhas políticas no ambiente digital. A Corte não informou se o modelo da ferramenta do X está em análise e reforçou que tem até 5 de março, segundo o calendário eleitoral, para elaborar resoluções.

As mensagens de contexto não são avaliadas ou moderadas pelo X e são exibidas nas postagens quando classificadas como úteis por “um número suficiente de usuários”, segundo a big tech. A plataforma diz considerar “diferentes perspectivas” para fazer essa conta. É preciso que “pessoas que tendem a discordar entre si” em avaliações anteriores julguem o conteúdo relevante.

Professora na FGV Direito Rio, Yasmin Curzi vê risco de instrumentalização das notas por campanhas políticas e aponta que o cenário se agrava em meio à possibilidade de não ser aprovada até o ano que vem uma ampla regulação do setor. O chamado PL das Fake News, proposta que fixa normas de transparência para as big techs no país, ainda aguarda votação na Câmara. Há dúvidas ainda se o X vai colaborar e aderir a eventuais parcerias com a Justiça Eleitoral, como fez em outros pleitos.

“Musk já tem declarado intenção de evitar o que ele compreende como censura. A falta de moderação tende a ser mais um vetor de desinformação”, avalia Curzi.

O relator do PL das Fake News, Orlando Silva (PCdoB-SP), também recebeu nota num post em que pontuava a importância da matéria. Numa crítica a um jogo que permitia a compra de escravos, ele sinalizou a urgência da aprovação do PL para “regular parte desse ecossistema, que é mais amplo”. A nota, “é falso que a PL possa ser aplicada a loja de aplicativos”, aponta uma afirmação não feita.

 

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