A anosmia, ou perda do olfato, é um dos sintomas mais característicos, incômodos e persistentes da covid. Levantamento recente estima que o problema afete entre 30% e 75% das pessoas infectadas. Alguns pacientes recuperam esse sentido assim que a infecção acaba.
Entretanto, cerca de 12% das pessoas podem ficar meses sem a capacidade de sentir cheiros direito. Até agora, pouco se sabia sobre como a doença leva a esse problema, mesmo sem congestionar o nariz. Um estudo publicado recentemente na revista científica Cell parece ter resolvido esse mistério.
Trabalhos anteriores já haviam mostrado que o Sars-CoV-2 não teria capacidade de invadir diretamente os neurônios, já que eles não possuem o receptor ECA2, utilizado pelo vírus para invadir as células.
De acordo com pesquisadores do Instituto Zuckerma, da Universidade Columbia e da Universidade de Nova York, o novo coronavírus realmente não infecta diretamente os neurônios que detectam odores.
Em vez disso, ele ataca as células epiteliais, aquelas que revestem a cavidade nasal e dão suporte aos neurônios. Isso causa inflamação que, por sua vez, afeta o funcionamento das células nervosas sensoriais responsáveis pelo olfato.
“Agora sabemos que, na prática, o coronavírus não consegue entrar no neurônio. Mas ele encontra uma maneira de indiretamente afetar sua função”, diz o geneticista Salmo Raskin.
A equipe chegou a essa conclusão após analisar hamsters dourados e amostras de tecidos de 23 pacientes que morreram em decorrência da covid. Os resultados mostraram que a resposta gerada para combater o vírus gera uma avalanche de células imunes, microglia e células T.
O problema é que essas células liberam substâncias inflamatórias chamadas citocinas, que danificam os receptores olfativos, proteínas na superfície das células nervosas do nariz que detectam e transmitem informações sobre odores.
Estudos anteriores realizados mostraram que os neurônios que detectam cheiros têm estruturas organizacionais complexas. O processo inflamatório altera essa sofisticada organização, causando uma espécie de curto-circuito que reduz a atividade dos genes necessários para a produção desses receptores.
“Para tentar matar as células infectadas, o organismo provoca uma resposta imunológica. Isso gera uma inflamação no local, que interfere na arquitetura do núcleo do neurônio”, explica Raskin.
A boa notícia é que esses neurônios não morrem. Ou seja, a perda do olfato é temporária. Assim que a infecção desaparece, o sistema pode se recuperar.
Por outro lado, isso pode levar semanas ou até meses para acontecer. A expectativa é que a descoberta possa levar à identificação de novos tratamentos para esses sintomas persistentes.
“Se ficar comprovado que a perda de olfato é causada por uma questão inflamatória, talvez o tratamento possa ser anti-inflamatório e não antiviral”, diz Raskin.
Os pesquisadores já avaliam, por exemplo, se o uso de esteroides em hamster com covid longa pode conter essa inflamação e proteger a arquitetura dos genes.
O novo estudo também abre caminho para explicar o aparecimento e a persistência de outros sintomas neurológicos associados à doença, como confusão mental, dor de cabeça e depressão, relatados por muitos pacientes com covid longa.
“Se isso acontece nesse tipo de neurônio, pode acontecer em outros e explicar todos os problemas neurológicos da covid longa.”