Domingo, 20 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 18 de fevereiro de 2024
A desaceleração da inflação foi comemorada pelo governo de Javier Milei. Depois de uma alta de 25% em dezembro, quando o presidente desvalorizou fortemente o dólar, retirou subsídios e descongelou preços, o índice subiu 20% em janeiro. O dado é positivo, já que projeções falavam em uma taxa acima dos 30%.
Junto à desaceleração dos preços, no entanto, veio também um choque recessivo que derrubou o consumo. Com o dinheiro valendo pouco e os preços cada vez maiores, os argentinos estão comprando menos. O choque de demanda ajuda a controlar a inflação, mas coloca em dúvida se o remédio prescrito é sustentável no médio prazo.
Os salários desvalorizaram em 14% em termos reais, em dezembro, a maior queda desde 2003, após a saída da convertibilidade (quando o peso argentino estava atrelado ao dólar durante o governo de Carlos Menem). Os dados de janeiro ainda serão publicados.
Pressão Política
Com isso, o consumo no varejo despencou 28,5% no primeiro mês do ano, em comparação com o mesmo período do ano passado, segundo a Confederação Argentina de Médias Empresas (Came).
No setor do comércio, se fala que janeiro foi um “mês perdido”. Ainda segundo o relatório, os argentinos deixaram de comprar artigos essenciais, como produtos de farmácia e alimentos.
Os números são reflexo direto da desvalorização cambial que Milei promoveu em dezembro. Com o peso perdendo mais de 50% do seu valor e sem reajuste salarial, os argentinos não tiveram outra opção a não ser consumir menos.
O próprio governo reconheceu os impactos de suas medidas quando enviou um informe ao FMI apontando que a pobreza já poderia estar acima dos 50% depois da desvalorização, uma taxa que não se registra há duas décadas.
“Tudo isso leva a um ajuste brutal em termos reais. O que nos faz perguntar o quanto isso é sustentável”, afirma o professor de economia d Universidade de Buenos Aires (UBA) Fabio Rodriguez. “Como se espera que o aposentado aceite infinitamente que lhe tirem 30% ou 25% de sua renda? O mesmo vale para os assalariados e até para as províncias
Juan Manuel Telechea Economista argentino agora com o problema do subsídio ao transporte. Há uma série de aspectos que estão muito perto de não se sustentarem ou levar a um levante popular”.
Turbulência
Há ainda um risco no horizonte que pode jogar por terra esse princípio de controle nos preços, de acordo com especialistas. Após a desvalorização de dezembro, Milei segue controlando o valor da moeda americana.
Como o peso segue se desvalorizando, por causa da inflação, e o câmbio não acompanha essa perda, em breve, a moeda americana vai valer o mesmo que antes de dezembro e uma nova desvalorização teria de ser considerada. Assim, a inflação voltaria a aumentar.
“O problema que se tem quando o dólar barateia muito é que, por um lado, os exportadores não vendem seus dólares, e aumentam as importações. Tudo isso aumenta a pressão no mercado cambiário e é aí que poderemos ver uma nova desvalorização”, explica o economista Juan Manuel Telechea, diretor do Instituto de Trabalho e Economia da Fundação German Abdala.
Para acalmar os mais agitados, o ministro da Economia Luis “Toto” Caputo foi a público dizer que não está prevista uma nova desvalorização. “Mas, no geral, quando se tem de esclarecer isso é porque, evidentemente, a possibilidade existe”, disse Telechea.
Outra questão que faz Milei correr contra o tempo é o humor do argentino. Ainda que o presidente tenha pedido paciência, ele terá de apresentar melhoras que se reflitam no dia a dia em breve, de preferência em dois ou três meses, segundo economistas, época que se espera colher os frutos da colheita. Caso contrário, a pressão social começará a subir, especialmente em um contexto em que sua taxa de aprovação já começou a cair.
“A sociedade argentina mostrou nas urnas que queria uma mudança. Por isso votou em Milei. Mas, depois que se aumenta o preço da gasolina, que triplicou de um mês a outro, quando não se aumentam os salários frente aos preços e eles são consumidos pela inflação, isso faz a tolerância social desaparecer rapidamente”, afirma Telechea.
“Isso, junto com a derrota política recente, são os dois principais desafios desse governo. Fazer com que a sociedade o acompanhe. Mas, para acompanhá-lo, ele tem de mostrar alguma melhora econômica, porque senão, em alguns meses, as reclamações serão fortes.” •
“Depois que se aumenta o preço da gasolina, que triplicou de um mês a outro, quando não se aumentam os salários frente aos preços e eles são consumidos pela inflação, isso faz a tolerância social desaparecer rapidamente”