Segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025
Por Redação O Sul | 9 de fevereiro de 2025
Apesar da propalada harmonia entre os Poderes, consagrada na Constituição e reafirmada nos recentes discursos dos chefes do Legislativo e do Judiciário, os recados mútuos enviados nos últimos dias demonstram que não haverá vida fácil neste ano – muito menos relação harmônica e funcional entre o Congresso, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Tanto em seus discursos de posse quanto nas falas de abertura dos trabalhos legislativos, os novos presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), não só deixaram claro que o corporativismo regerá seus mandatos, como não hesitaram em descrever o desconforto deles e de seus liderados diante do risco de perderem a liberdade adquirida no manejo do Orçamento. Pelo que foi dito, não há perspectiva, no horizonte próximo, de o País ver reduzido o confronto aberto entre o STF e o Congresso, com participação direta de um Executivo enfraquecido, na contenção da farra das emendas parlamentares sem controle.
Como se sabe, o pagamento das emendas foi represado por ordem do ministro Flávio Dino, do STF, até que o Congresso cumpra regras de transparência e garanta mecanismos que permitam o seu rastreio e fiscalização. Mas, conforme os primeiros sinais que emitiram, Motta e Alcolumbre foram eleitos pelos seus pares com a missão de assegurar a liberação do pagamento represado e a própria manutenção do esquema, ainda que em outro formato. Não por outra razão, ao lado do presidente do STF, Luís Roberto Barroso, Alcolumbre não deixou dúvidas: “As decisões do STF devem ser respeitadas, mas é indispensável garantir que este Parlamento não seja cerceado em sua função primordial de legislar e representar os interesses do povo, inclusive levando recursos à sua região”. O “inclusive” é o ponto essencial do recado do novo presidente do Senado para defender, sem meias palavras, o privilégio adquirido pelos congressistas nos últimos anos: definir, direcionar e alterar, individualmente ou em bancadas, bilionários recursos do Orçamento.
Em seus discursos de celebração da vitória e de posse, Motta falou em “respeito às competências” dos Poderes e defendeu as emendas impositivas – instrumento que, segundo ele, significou “o fim das relações incestuosas entre Executivo e Legislativo”. Se, de fato, as emendas tornaram deputados e senadores menos sujeitos às ordens do governo, por outro lado asseguraram um excesso de poder ao Legislativo, adornado pela baixíssima transparência no uso dos recursos orçamentários. Esse feito se deu ao longo de dez anos, a partir do momento em que o Congresso inseriu na Constituição a obrigatoriedade de execução das emendas – um expediente a que todo parlamentar tinha direito, mas com liberação, até então, incerta e dependente de uma decisão do Executivo. Em 2019, também se tornaram impositivas as emendas de bancada, indicadas, distribuídas e executadas de forma opaca, com base em critérios imprecisos, para dizer o mínimo.
Hoje cerca de 23% de todo o gasto discricionário – aquele que não é despesa obrigatória, como aposentadorias e salários – está nas mãos de deputados e senadores. Eram 2% dez anos atrás. Como recentemente mostrou o professor Marcos Mendes, do Insper, em mais da metade dos países da OCDE os Parlamentos não podem emendar o Orçamento. Há países em que o porcentual não chega a 1% das despesas discricionárias, o que torna o Congresso brasileiro único no mundo em poder e recursos. Mas, abrindo os trabalhos do STF, o ministro Luís Roberto Barroso disse que não há necessidade de recados entre ele e representantes dos demais Poderes porque há “conversa direta, aberta e franca de pessoas que se querem bem, que se ajudam”. Enquanto o ministro comemorou o que chamou de “normalidade plena” e harmonia entre os Poderes, o distinto público fingiu que acreditou – não só pelos recados de Motta e Alcolumbre quanto pelo desequilíbrio e desarmonia guiados por um Congresso que não vai querer perder facilmente o poder que conquistou. Haja conversa neste ano para resolver tal impasse. (Opinião/Estadão Conteúdo)