Na mira do pente-fino sobre o programa Bolsa Família, o contingente de pessoas que moram sozinhas e recebem o benefício (os chamados “núcleos unipessoais”) está acima do patamar de 16% que o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) considera razoável em quase dois terços dos municípios do País. E pode indicar eventuais fraudes ou erros no cadastro.
Uma nova auditoria deve ser anunciada junto com o pacote de contenção de gastos públicos que vem sendo gestado pelo Executivo. O objetivo é retirar quem está recebendo o auxílio indevidamente para abrir espaço a quem de fato precisa.
O percentual de famílias unipessoais no programa aumentou consideravelmente no governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), quando o valor do benefício era sempre o mesmo, não importando o número de integrantes de cada núcleo. O número saiu de 2,2 milhões no fim de 2021 para 5,8 milhões no ano seguinte.
Hoje, são 4,057 milhões de famílias unipessoais no Bolsa Família, ou 19,58%, contra 23,37% em setembro de 2023. Mas o número varia por localidade, e há cidades onde quase 60% dos beneficiários são famílias unipessoais.
Em muitos casos identificados pelo governo, casais que vivem juntos há anos declaram morar sozinhos, o que possibilita receberem dois benefícios, por exemplo. O programa, contudo, prevê o auxílio por família, que deve ter renda de até R$ 218 por pessoa para se enquadrar nos critérios de admissão.
Uma das táticas adotadas pelo governo para regularizar a situação foi definir, em agosto de 2023, o limite de 16% de famílias unipessoais em relação ao total de beneficiários do programa em todos os municípios. A partir desse índice, os municípios não podem mais cadastrar famílias desse grupo para ter acesso ao Bolsa Família, a não ser que os beneficiários tenham atualizado cadastros por meio de visitas domiciliares de agentes públicos.
A intenção é usar a média nacional como alerta para suspeitas de fraudes e forçar os municípios a revisar informações no Cadastro Único, além de verificar in loco se as famílias inscritas como unipessoais são de pessoas que moram sozinhas. Um ano depois, 3.584 cidades têm esse percentual ou mais, segundo dados do MDS de setembro, o equivalente a 64% das prefeituras brasileiras.
Esse número era de 3.714 em setembro de 2023, primeiro dado disponível, e chegou a cair a 2.894 (50%) em janeiro deste ano, mas desde maio vem subindo de forma ininterrupta. O teto definido pelo ministério se baseia na média da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua de 2022, realizada pelo IBGE.
No mês passado, foi divulgado o dado de lares com uma única pessoa do Censo de 2022, indicando percentual médio de 18,9% no Brasil. Os dados tem por base o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Conforme a secretária nacional de Renda de Cidadania do MDS, Eliane Aquino, em breve haverá um ajuste na trava. Neste momento, a equipe está fazendo um estudo por estado para chegar a um número mais adequado, mas o resultado não deve ser muito distante do dado do Censo.
“Temos um número grande de municípios que, dentro do Cadastro Único, têm, por exemplo, 40% de beneficiários unipessoais, o que não dialoga com a realidade nacional”, explica diz Eliane. “Tem que começar a fazer visita domiciliar para ver se realmente são famílias unipessoais.”
Capitais
Mesmo com a proporção mais elevada, de 18,9%, a situação é preocupante. O maior percentual é o da cidade de Pau Brasil (BA), onde quase 60% dos beneficiários declaram morar sozinhos (59,15%), seguida de Terra Nova (BA), com 50,02%, e Regeneração (PI), com 49,32%.
Dentre as capitais, 16 estão acima de 19%: pela ordem, Rio de Janeiro, Aracaju, Belém, Belo Horizonte, Florianópolis, Fortaleza, Salvador, Natal, Porto Alegre, Recife, Maceió, João Pessoa, Vitória, Curitiba, São Paulo e Teresina.
Em 14 destas metrópoles, o percentual das famílias unipessoais no cadastro do programa social é maior do que a média, para aquele município, de lares com um morador encontrada pelo Censo de 2022.
A maior discrepância ocorre em Belém, capital paraense, que tem 25,22% de beneficiários cadastrados como unipessoais. O Censo diz que os lares habitados por apenas uma pessoa na cidade, cadastrados ou não no Bolsa Família, são 15,68% do total. Em Fortaleza (24,77% de famílias unipessoais) e em Aracaju (26,02%), o descolamento é grande, de sete pontos percentuais.
O governo suspeita que cerca de 500 mil pessoas de 18 a 49 anos recebam o benefício de forma irregular. A previsão de economia anualizada é de R$ 4 bilhões. “O presidente Lula determinou que não quer tolerância com fraude, ou seja, vamos prosseguir no combate a irregularidades”, salientou o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, durante o encontro do G20 no Rio Janeiro.