O episódio do coronavírus e a construção de um hospital com mais de 1000 leitos em apenas 10 dias, trouxeram a China para o centro do palco internacional com ainda maior proeminência. Quais são as competências ou eventuais fraquezas que estão por trás do fenômeno chinês? Teria o mundo ainda motivos para nutrir a mesma inquietude que assombrou Napoleão há mais de 200 anos?
De fato, a China está mudando o planeta e isso pode ser melhor espelhado historicamente numa frase atribuída a Napoleão: “Deixem a China adormecida, porque quando ela acordar, vai sacudir o mundo”.
Uma mistura de estoicismo religioso, forjado especialmente nas crenças budistas, taoístas e confucionistas, enormes contingentes de mão de obra barata migrando do campo para a cidade e um governo centralizado ditando as regras e abrindo o sistema comunista para experimentos capitalistas, descomprimiram de modo muito rápido séculos de isolamento e baixo crescimento econômico, explodindo em taxas de aumento do PIB nunca antes vistos.
Esse verdadeiro “big bang” econômico sem precedentes apresenta hoje ao mundo todas as ameaças e oportunidades possíveis. A revolução industrial tardia, ocorrida na China, turbinada pela indústria 4.0, confere um ritmo alucinante às transformações em andamento.
Os avanços exponenciais em curso alteram a dinâmica da cadeia global de suprimentos, impõem maior relevo geopolítico ao Governo chinês, além de criar um ator com poder suficiente para confrontar a hegemonia econômica americana.
A construção de um hospital com mais de 1000 leitos em apenas 10 dias é a prova mais eloquente dessa capacidade excepcional de execução do dragão asiático. Esse fato singular no ramo da construção civil não é algo isolado. Na verdade, diversas outras áreas como tecnologia avançada em robótica, produção industrial em larga escala, além da produção de energia limpa e investimentos maciços em educação, projetam um cenário no qual a China será um protagonista de primeira grandeza por um bom tempo.
Olhando para o Brasil, a crise do coronavírus não é certamente a ameaça maior que nos preocupa. O que faz hoje o Brasil perder o sono é a nossa grave dependência dos chineses na composição e equilíbrio de nossa balança comercial. Na soja, para ficar em apenas um exemplo, a China representa mais de 80% de nossas exportações. Seria bastante prudente começarmos a desconcentrar nossa pauta de exportações, mesmo sabendo não ser essa uma tarefa simples.
Para além da balança comercial, é vital ao Brasil acompanhar com muita atenção onde a China está apostando suas fichas: alta tecnologia, energia limpa e agricultura de precisão e engendrar todos os esforços políticos para não perder essa janela de oportunidade. Mais do que aumentar as trocas comerciais, a China oferece hoje um amplo campo de oportunidades para avanços em áreas nas quais ficamos para trás na corrida pelo desenvolvimento. Os chineses avançaram muito na indústria do conhecimento e esse intercâmbio fará todo o sentido para um país como o nosso, no qual a ciência precisa ser tratada como prioridade de governo.
A despeito de eventuais crises que comporão a paisagem futura, nossa sintonia com a China será decisiva para que o Brasil alcance novos patamares de desenvolvimento e não percamos a oportunidade histórica que a ascensão do país asiático representa.