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O analfabetismo no Brasil tem taxas maiores entre pessoas com mais de 60 anos

País tem dívida histórica em relação ao tema. (Foto: Marcos Santos/USP Imagens/EBC)

Caçula dos nove filhos de um agricultor e uma dona de casa, a cearense Irene Batista Maciel, de 72 anos, sabe escrever seu nome, e essa é toda a alfabetização que teve ao longo da vida. A costureira aposentada dá rosto a dados revelados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística): o País tem 11,8 milhões de analfabetos de 15 anos ou mais, o que corresponde a 7,2% dessa população. No Nordeste, região em que vive Irene, a taxa sobe para 14,8%, índice quatro vezes superior ao que ocorre no Sul, que registrou 3,6% de analfabetos.

A disparidade também se dá pela cor: entre pessoas pretas ou pardas, o índice ficou em 9,9%; duas vezes maior que entre brancas, que foi de 4,2%. Os dados fazem parte da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) 2016 e, por diferença de metodologia, não podem ser comparados com os dos anos anteriores.

“Meu pai não acreditava que estudo botasse a gente para frente, mas, para a roça, a gente ia. Com menos de 10 anos eu já passava o dia no roçado. Eu tinha raiva de ir pra lá”, lembra Irene, nascida no município de Boa Viagem, na Zona Rural do Ceará, a 225 km de Fortaleza.

Seu contato com a educação veio somente na fase adulta, aos 35 anos. Em tempos de regime militar, o ensino ofertado era por meio do Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização), cujo objetivo era alfabetizar a população urbana iletrada de 9 a 35 anos. Após concluir um dos programas oferecidos, a jovem sabia escrever o próprio nome, mas continuava sem saber ler.

O relato da aposentada expõe uma característica importante do índice de analfabetismo. De acordo com o IBGE, a maior taxa dos que não sabem ler ou escrever se concentra entre os idosos.

“O indicador para os que têm 60 anos ou mais ultrapassa os 20%. É uma questão não só da educação atual, mas estrutural, de educação histórica do País”, destaca a pesquisadora de IBGE, Helena Oliveira.

Segundo a diretora executiva do movimento Todos Pela Educação, Priscila Cruz, os números revelados pela Pnad Contínua 2016 mostram que Educação nunca foi prioridade no Brasil e que os efeitos disso são sentidos por décadas: “O analfabetismo impede que a pessoa aumente sua renda, consiga um emprego melhor, rompa a bolha de exclusão em que está presa há gerações. Uma pessoa pobre que não sabe ler ou escrever tem pouquíssimas chances de sair da pobreza”.

Para Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, há um atraso para diminuir o número de analfabetos e as disparidades regionais no Brasil. “A redução nos últimos anos só tem ocorrido por falecimento dos idosos. Isso mostra que o governo tem tratado sua população de maneira irresponsável ao não possibilitar um dos direitos mais básicos, que é o da alfabetização. As esferas municipal, estadual e federal não realizaram nenhum esforço concreto para erradicar o analfabetismo”, afirma ele, acrescentando que, considerando a América Latina, o Brasil está atrás de seus vizinhos.

Os números divulgados pelo IBGE mostram que o Brasil não conseguiu alcançar uma das metas intermediárias estabelecidas pelo PNE (Plano Nacional de Educação) em relação à alfabetização da população com 15 anos ou mais. A meta 9 do PNE determinava a redução do analfabetismo a 6,5% até 2015, o que não aconteceu. O Plano indica ainda que, em 2024, o analfabetismo deve estar erradicado do País.

Sobre isso, Rossieli Soares da Silva, secretário de Educação Básica do MEC (Ministério da Educação), afirma que, para atingir tais metas, é necessário separar as responsabilidades atribuídas ao MEC, aos Estados e aos municípios. O papel da pasta, segundo ele, seria dar apoio para sanar dívidas históricas. Ele ressalta que uma das medidas para reverter o problema é valorizar a educação básica e os adultos que não tiveram oportunidade ao longo da vida.

“Algumas decisões foram tomadas, como o programa ‘Mais alfabetização’. Além disso, na Base Nacional Comum Curricular, entendemos que o processo de alfabetização deve ser no 1º e no 2º anos do ensino fundamental, e não até o 3º, como é hoje. Desta última maneira, acabávamos empurrando o problema”. pontua o secretário.

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