Ministério da Educação, parlamentares governistas e de oposição e representantes dos conselhos estaduais e municipais de Educação parecem ter chegado a um consenso, e deve ser enviado em breve um projeto de lei proibindo o uso de celulares nas redes públicas e particulares de ensino de todo o Brasil. Caso se confirmem, o País dará um passo gigantesco na contenção dos malefícios causados pelo uso excessivo de smartphones por crianças e adolescentes. Já são fartas as evidências dos prejuízos de aprendizagem, concentração e foco, além de graves consequências à saúde mental, com aumento do vício, ansiedade, depressão, automutilação e suicídios. Países como Finlândia, Holanda, Portugal, Espanha e EUA já têm políticas de proibição ou restrição dos aparelhos nas escolas. O Brasil precisa segui-los sem tardança.
O consenso e o apoio popular são importantes combustíveis para fazer a medida avançar. Recente pesquisa realizada pelo Datafolha mostrou que 62% dos brasileiros com mais de 16 anos são favoráveis à proibição do uso de celulares nas escolas. O apoio aumenta entre os pais que têm filhos de até 12 anos. Para 76% dos entrevistados, o celular traz mais prejuízos do que benefícios ao aprendizado, índice que sobe entre os pais – evidência da crescente preocupação com o mau uso da tecnologia na educação, algo confirmado e ampliado por pesquisas. “O uso de smartphones nas salas de aula leva os alunos a se envolverem em atividades não relacionadas à escola, o que afeta a memória e a compreensão”, sintetizou a Unesco, por exemplo, em seu Relatório Global de Monitoramento da Educação, intitulado A tecnologia na educação, uma ferramenta a serviço de quem?
Não se trata de conflito geracional nem de recorrer a comparações saudosistas, com uma possível – e inútil – pregação de retorno a um passado supostamente melhor. Tampouco se trata de demonizar a tecnologia, que, afinal, é uma importante aliada em alguns processos educacionais, e parece imprescindível às escolas manter seu uso dentro de sala de aula de forma monitorada, consciente e a serviço do aprendizado – além de ser parte integrante do cotidiano de jovens e adultos. Mas o uso mais cuidadoso dos celulares e das redes sociais ganhou escala com obras de repercussão internacional, como o livro A geração ansiosa, do psicólogo social Jonathan Hardt. Ele investigou o que chama de “colapso da saúde mental” entre os jovens, sobretudo aqueles nascidos depois de 2010, quando várias tendências tecnológicas convergiram: a rápida expansão da banda larga, a chegada de smartphones, a nova era das redes sociais que estimulam o engajamento e a atenção permanentes.
A regulamentação é a consequência inevitável do avanço das pesquisas sobre os riscos. Muitos países europeus e alguns Estados americanos passaram leis que proíbem o celular em escolas, o ambiente crucial para aprendizagem e interação social que claramente já sofre impactos com as novas tecnologias. Em alguns casos, as regulamentações têm ultrapassado as divisas escolares. A União Europeia, por exemplo, aprovou regras de design apropriado para crianças em redes sociais, enquanto o Estado de Nova York, nos EUA, já vem discutindo uma legislação que impeça o uso de algoritmos pelas plataformas em conteúdos infantis.
Para o consenso funcionar, no entanto, não basta só considerar as mais relevantes e atuais pesquisas sobre o tema. É preciso aceitar que essa é uma decisão que une igualmente governos e sociedade, políticos, especialistas e pais. E que é importante renunciar a protagonismos de qualquer espécie entre governo e Congresso, governistas e oposição. No mês passado, tão logo o ministro da Educação, Camilo Santana, ganhou os holofotes por pautar o tema, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), presidente da Comissão de Educação da Câmara, se apressou a encaminhar a tramitação de um projeto de relatoria do colega Diego Garcia (Republicanos-PR).
O holofote, neste caso, precisa estar na solução e nos jovens, não nos oportunistas que pretendem capitalizar politicamente a ansiedade de pais e educadores. (Opinião/AE)