Domingo, 22 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 13 de outubro de 2024
Quando está em frente a uma plateia, o geriatra brasileiro Alexandre Kalache, de 78 anos, faz questão de se apresentar como um “velho”. “Sou velho. Olha bem pra mim. Careca, de barba branca, preciso de óculos, as rugas aqui mostram os sabores e dissabores que tive pela vida. Tenho orgulho de ter podido envelhecer, é a melhor coisa que pode te acontecer. Envelhecer é bom, morrer cedo que não presta”, diz o PhD pela University of Oxford, onde foi professor associado e pesquisador sênior, e um pioneiro dos estudos do envelhecimento no mundo.
“Sempre digo: ‘Saia do aposento’. A aposentadoria é uma palavra perversa, pois remete àquelas casas antigas do passado, onde se colocavam os velhos. Eu envelhecerei na sala da frente, ciente dos meus direitos e lutando por eles”, diz ele. Ativista desde a juventude, quando a luta era contra a ditadura, agora ele trava uma batalha para que o mundo entenda que está envelhecendo.
E, em países como o Brasil, isso ocorre a passos largos – mais largos do que ele mesmo previu, quando chegou em Londres para o mestrado, em 1975. “Os países desenvolvidos primeiro enriqueceram para, depois, envelhecerem. E nós vamos envelhecer em um país com muitos problemas sociais e pobreza. Vamos ser pioneiros. Seremos o laboratório de como envelhecer em um país que ainda não deu certo”, conta ele, que também é ex-diretor do Departamento de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS) e atual presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil.
Para ele, o País vive um negacionismo sobre envelhecimento. “Lembre-se: o idadismo vai te pegar. É só esperar e sobreviver. Atinge a todos. Dos preconceitos, talvez esse seja o mais democrático”, avisa o geriatra.
Rapidez
“Eu tinha muito claro de que ia acontecer, mas foi mais rápido, sobretudo pelas taxas de fecundidade que caíram de forma tão acentuada. Ninguém esperava isso. O meu professor de demografia chegou a afirmou taxativamente que a minha previsão sobre a queda da fecundidade era absurda. Eu tentava argumentar que, com as mulheres entrando no mercado de trabalho, elas não teriam mais o interesse de ter tantos filhos como suas avós, bisavós ou até mesmo suas mães. Além disso, havia uma coisa chamada pílula anticoncepcional, que facilitava muito o controle da fecundidade. Isso explica porque, entre 1975 e o ano 2000, em apenas uma geração, a taxa de fecundidade caiu de 5,8 para 2,1. Essa é uma mudança muito rápida, que eu chamo de ‘revolução da longevidade’”.
Idadismo
“Estamos muito atrasados e presos a uma negação do envelhecimento. O Brasil é um país hedonista, que valoriza a beleza eterna da juventude, como se fosse possível. No Brasil, o velho é sempre o outro. No Brasil, o maior elogio que se pode fazer é dizer que alguém não aparenta a idade que tem. Por que não podemos aparentar a idade que temos? Tem de cair a ficha. Porque, caso não caia, os políticos, por exemplo, não vão desenvolver políticas para essa área. Eles vão continuar achando que não são parte do grupo de idosos. Se não houver introspecção, se as pessoas não pensarem que estão no mesmo barco e precisam ser mais solidárias, não aprenderemos a cuidar uns dos outros. Isso passa pelo idadismo. É sempre um preconceito de um grupo que, em geral, tem poder e que se acha valendo mais do que o outro. Esse grupo tem essa atitude, que é, na verdade, uma ideologia. Depois do “i”, de ideologia, vem o “i” de institucionalizar aquela ideologia. A pessoa no poder não vai promover alguém porque é mulher, não vai dar um emprego porque é negro, não vai contratar uma pessoa com deficiência porque já julgou que não será produtiva, não vai dar uma ultrassonografia ou fazer uma ressonância porque a pessoa é velha”.
Protocolos
Estamos apenas começando. Temos uma rede que foi criada por causa da pandemia, a Frente Nacional de Fortalecimento das ILPIs (instituições de longa permanência). Se fôssemos esperar do governo, seria uma catástrofe total. A Karla Giacomin (geriatra e vice-presidente do ILC Brasil) percebeu o que estava acontecendo na Espanha, na França e na Itália, onde o vírus estava entrando e matando a população mais vulnerável, especialmente a institucionalizada. Ela percebeu que, quando chegasse ao Brasil, seria um horror. Daí, foram desenvolvidas muitas diretrizes. A sociedade civil fez o papel que o governo se negou ou não tinha competência para realizar. Precisamos de mais dessas instituições.