Sexta-feira, 08 de novembro de 2024
Por Letícia Soster Arrosi | 8 de novembro de 2024
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Christian Louboutin, desde seu ingresso no mercado da moda em 1992, vem produzindo sapatos com sola vermelha, o que tem sido copiado no mundo inteiro. Nos Estados Unidos, em um caso judicial envolvendo a Yves Saint Laurent America, a “YSL” [1], discutiu-se se as solas vermelhas dos sapatos podem ter proteção jurídica. Nele, a Corte Americana entendeu que o contraste entre a cor vermelha da sola e a parte superior do sapato adquiriu o chamado significado secundário no mercado, implicando distinção. Isso porque esse traço do produto (o contraste entre cores) induz o consumidor à fonte do produto (o designer) e não ao produto em si (funcionalidade, o que barraria a proteção da marca).
O Tribunal Americano entendeu – e a YSL não contestou – que Christian Louboutin investiu substanciais esforços de marketing para promover o produto com esta distintividade, construindo uma (boa) reputação no mercado, de tal forma que a sola vermelha passou a ser associada diretamente aos seus sapatos. Louboutin criou assim um verdadeiro símbolo. Contudo, neste caso específico, uma vez não tendo os sapatos da YSL reproduzido o contraste, ou seja, tendo feito tão somente um sapato integralmente vermelho, não houve infringência alguma ao direito de exclusividade do designer. Assim, o Tribunal determinou que o registro da marca fosse limitado a esse contraste.
Aqui no Brasil, a empresa francesa Clermon et Associes , detentora dos direitos intelectuais da Christian Louboutin, tem a titularidade de vários pedidos e registros da marca nominativa, mista e design no INPI, mas não conseguiu o registro de marca de posição, por aplicação do art. 124, VIII da LPI, o qual determina que “cores e suas denominações, salvo se dispostas ou combinadas de modo peculiar e distintivo” não podem ser registrados como marca. A empresa francesa recorreu desta decisão administrativamente, sem obter êxito, culminando em processo judicial em que pleiteia a anulação da decisão do órgão, onde foi deferido o pedido liminar para a suspensão da decisão administrativa do INPI, pelos seguintes motivos:
Não é possível afirmar, por óbvio, que Christian Louboutin tenha sido o primeiro a utilizar a cor vermelha em solados de sapatos, mas é notório que a utilização por ele feita, de forma consistente ao longo de muitos anos, foi um dos fatores que destacou os seus produtos e os converteu em “objetos de desejo”, sinônimo de glamour, luxo, qualidade e elegância, devendo também ser levada em consideração, no caso, a questão da distintividade adquirida ou significação secundária (secondary meaning).
Vale mencionar, a respeito, decisão do e. STJ no julgamento do REsp n.º 1.677.787-SC – processo n.º 0054932-70.2015.8.24.0000, em que, em obiter dictum, a Ex.ma Ministra Relatora NANCY ANDRIGHI cita o solado vermelho dos sapatos Louboutin como exemplo notório de signos diferenciadores utilizados para identificação de produtos cuja colocação no mercado advém “de uma identidade que lhes é intrínseca, composta de elementos gráfico-visuais desenvolvidos justamente com o propósito de distingui-los de seus concorrentes”.
(…)
A propósito, também não se desconhece a existência de outras decisões administrativas e judiciais, em outros países, que tenham limitado a proteção do solado vermelho (caso dos EUA, em que a United States Court of Appeals for the Second Circuit, no caso Christian Louboutin x Yves Saint Laurent, embora tenha reconhecido o secondary meaning, limitou a proteção a uma sola laqueada vermelha que contrasta com a cor da parte superior adjacente), ou simplesmente a negado em razão de comprovação de ampla utilização por outros fabricantes de calçados (caso do Japão, em que o JPO concluiu pela não registrabilidade do sinal). No caso, entretanto, entendo que devem ser privilegiados os motivos trazidos pela demandante para justificar os diversos danos que podem lhe ser causados pela manutenção da decisão indeferitória, em especial, considerando que sapatos de salto alto feminino com solado vermelho são reconhecidamente associados a Christian Louboutin e que a autora vem atuando na defesa de sua propriedade intelectual, sendo certo que a suspensão pretendida é medida que visa resguardar os seus direitos e as pretensões de seus concorrentes, que podem acreditar que o signo está disponível, quando ainda pendente disputa judicial sobre ele. [2]
As marcas de posição passaram a ser expressamente admitidas pelo INPI através da Portaria/INPI/PR nº 37, de 13.09.2021, que “dispõe sobre a registrabilidade de marcas sob a forma de apresentação marca de posição, à luz do estabelecido pelo art. 122 da Lei n.º 9.279, de 14 de maio de 1996”. O art. 122 da LPI, por sua vez, diz que “São suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais.” E a referida portaria determina: “Art. 1º Será registrável como marca de posição o conjunto distintivo capaz de identificar produtos ou serviços e distingui-los de outros idênticos, semelhantes ou afins, desde que (…).
Considerando a tendência da doutrina jurídica brasileira na matéria, as decisões dos casos internacionais e também a referida legislação, tudo indica que a decisão liminar em primeiro grau da justiça brasileira é certa, sendo direito da empresa francesa obter o registro da marca de posição quanto ao contraste da sola vermelha dos sapatos.
Notas:
[1] Unites States Court of Appeals for the Second Circuit, 696 F.3d 206 2012
[2] BRASIL, 13ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Processo nº 5082257-22.2023.4.02.5101/RJ, decisão publicada em 10 ago. 2023.
Letícia Soster Arrosi, Advogada, Doutora em Direito Comercial com ênfase em Propriedade Intelectual, mestre em Direito Privado com ênfase em Contratos e especialista em Processo Civil, Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais.
leticiasosteradvogada@gmail.com
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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