Segunda-feira, 27 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 26 de janeiro de 2025
Com a decisão do empresário Mark Zuckerberg, dono da big tech Meta, de acabar com o serviço de checagem de fatos nos Estados Unidos, o debate acerca da regulação das redes sociais no Brasil voltou à tona com força. Nos primeiros dias de 2025, o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Advocacia-Geral da União (AGU) deram novos passos na discussão sobre a adequação das plataformas à jurisdição brasileira. Ao mesmo tempo, o Congresso Nacional está alheio ao tema desde o engavetamento do PL das Fake News, em 2023.
Mas segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, cabe ao Legislativo definir novas regras caso haja necessidade de regular as plataformas virtuais. Eles apontam a necessidade de delimitar com cautela quais conteúdos serão considerados crimes virtuais e como será feita a fiscalização das redes sociais. Além disso, é preciso garantir tanto o equilíbrio para proteger a liberdade de expressão quanto garantir o combate aos crimes digitais.
Em uma sinalização ao novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, Zuckerberg decidiu acabar com o sistema de checagem de informações nas redes sociais da Meta: Facebook, Instagram e Threads. Em um vídeo no qual anunciou as mudanças, o dono da big tech afirmou que a América Latina tem “tribunais secretos de censura”.
A decisão de Zuckerberg ocorreu ao mesmo tempo em que o STF está julgando duas ações que podem ampliar a responsabilização judicial das plataformas por conteúdos divulgados na internet. Reagindo ao anúncio da Meta, a AGU pediu que a empresa explicasse como as mudanças na política de moderação de conteúdos vão afetar o combate a crimes como violência de gênero, racismo e homofobia nas plataformas.
No Congresso Nacional, o lobby das big techs e a pressão da oposição ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fizeram com que o Projeto de Lei 2.630/2020, mais conhecido como “PL das Fake News” fosse engavetado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), em abril de 2023. Desde então, uma possível regulação das redes sociais não foi mais discutida pelos parlamentares.
Especialistas em Direito Civil, Direito Constitucional e Direito Digital ouvidos pelo Estadão acreditam que a legislação brasileira sobre a atuação das redes sociais precisa ser ampliada com uma regulação que comporte as novas tecnologias de informação. Segundo eles, apesar de ser uma legislação avançada no contexto em que foi promulgada, o Marco Civil da Internet, de 2014, não abrange as particularidades do uso da inteligência artificial e o impulsionamento massivo de desinformação para benefícios políticos.
Para o professor de Direito e coordenador do Instituto de Tecnologia e Sociedade, João Victor Archegas, é possível criar, a partir do Marco Civil, novas regras para setores do mercado digital que surgiram após a promulgação da lei. Segundo o especialista, a norma que regulamentou os serviços digitais na União Europeia e que vigora desde o ano passado pode servir como exemplo na hora de se discutir a transparência e responsabilidade civil das plataformas.
“O Brasil precisa construir em cima desse piso algumas regulações específicas que tratam de particularidades do mercado digital que surgiram ou se aprofundaram desde que o Marco Civil foi aprovado em 2014. Isso inclui moderação de conteúdo em redes sociais, competição no mercado de novas tecnologias, transparência algorítmica, dentre outros pontos”, explicou Archegas.
O texto do PL das Fake News buscou criar uma regulamentação que aumenta a responsabilidade das redes sociais por crimes digitais, além de exigir uma maior transparência por parte das plataformas. A proposta foi engavetada antes de ir à votação, devido à incerteza de uma aprovação no plenário da Câmara.
Em abril do ano passado, Lira afirmou que o projeto de lei, da forma que se apresentava, não iria “para canto nenhum” e estava “contaminado”. Em junho, ele instalou um grupo de trabalho para discutir o texto e encontrar formas de destravar a proposta. Até o momento, o colegiado não emitiu pareceres sobre o tema.
Os especialistas apontam que uma regulação feita pelo Congresso vai trazer uma maior legitimidade das mudanças para a sociedade civil, algo que não é possível a partir de uma ação do Judiciário. Segundo Luís Fernando Plastino, doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP), o Legislativo tem a oportunidade de criar normas que podem acabar com a insegurança de decisões judiciais contraditórias.
“O Congresso tem a oportunidade de trazer uma regulação geral que tenha passado por discussões generalizadas. Isso vai acabar com a insegurança da possibilidade de decisões pontuais que, às vezes, vão contra o esperado pelo mercado e pelas pessoas”, disse o especialista.
Enquanto os debates estão paralisados no Congresso, o Judiciário e o Executivo já se movimentaram para responder às medidas anunciadas por Zuckerberg – mesmo que sejam referentes, no momento, aos Estados Unidos. O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, disse anteontem que o julgamento sobre a responsabilização das redes sociais por crimes digitais vai ser pautado ainda no primeiro semestre deste ano. O placar na Corte é de 2 a 0 para aumentar a implicação das redes sociais em delitos cometidos por usuários.
Após receber da Meta as explicações sobre o fim do sistema de checagem de fatos, a AGU organizou uma audiência pública na última quarta-feira para discutir a nova política de moderação de conteúdo. Oito big techs foram convidadas a participar, mas todas declinaram do convite. (Estadão Conteúdo)