Segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
Por Edson Bündchen | 21 de novembro de 2024
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Dormita no Congresso brasileiro o PL 2630/2020, que trata da regulação das redes sociais. O assunto voltou à tona após o autor do atentado em Brasília, ocorrido no dia 13.11.2024, ter usado as plataformas digitais para anunciar seus planos e fazer ameaças. A falta de transparência das grandes plataformas digitais, bem como a constante violação das regras sem que haja a discriminação de quais tipos de crimes estão sendo cometidos, tem levado ao aumento da pressão por maior e melhor regulação, embora esse tema também esteja sendo objeto de acirrada disputa ideológica.
Este último aspecto, inclusive, tende a se acentuar após a posse de Donald Trump na Presidência dos EUA, e de Elon Musk, o já anunciando futuro Chefe do Departamento de Eficiência Governamental, uma vez que tanto Trump quanto Musk têm criticado qualquer tipo de restrição à atuação das grandes plataformas da internet.
O tema, contudo, merece toda a atenção, não apenas das autoridades, mas das pessoas de modo geral, principais implicadas na atual “zona livre de desinformação” que se converteu parte das redes sociais. Esse aspecto disfuncional das grandes mídias digitais tem provocado uma série de manifestações em favor da regulamentação das grandes plataformas. Não é para menos. O atual ecossistema das grandes empresas de tecnologia, tais como a Meta, Google, Amazon, X e outros, criaram uma espécie de novo sistema econômico que explora os dados pessoais dos indivíduos para obter lucro, muitas vezes à custa de privacidade e autonomia.
Pelo impacto e amplitude da atuação desses gigantes, não se trata apenas de uma extensão do capitalismo tradicional, mas de uma transformação fundamental que afeta a democracia, a liberdade e os direitos das pessoas no mundo todo.
Shoshana Zuboff, renomada especialista sobre aquilo que ela denomina de “capitalismo de vigilância, tem sido uma das mais severas críticas a esse modelo que confere enorme poder às chamadas “Big Techs”. A autora introduziu o conceito de “excedente comportamental”, referindo-se aos dados gerados pelas trocas online que não são usados para melhorar serviços, mas vendidos para terceiros ou empregados para manipular comportamentos.
A invasão da privacidade como prática rotineira, expõe as pessoas que têm pouco controle sobre os dados que produzem, uma vez que as empresas obscurecem suas práticas de coleta. Além de prever comportamentos, o capitalismo de vigilância busca moldá-los, criando um ciclo de controle que vai além da simples observação, afetando escolhas pessoais, opiniões e até decisões políticas.
Desse modo, o capitalismo de vigilância ameaça as bases democráticas ao manipular informações e opiniões, como exemplificado em casos de interferência eleitoral e disseminação de desinformação.
Um outro aspecto importante refere-se ao imenso poder hoje desfrutado por empresas como Google, Meta, Amazon e outras, colocando em risco a soberania dos indivíduos e até dos Estados. Sem que se cometa nenhum exagero, é possível dizer que a ausência de leis e regulamentos eficazes para conter as práticas predatórias do capitalismo de vigilância permite que essas empresas operem numa espécie de “terra sem lei”.
Esse tipo de modelo de “capitalismo de vigilância” desumaniza as pessoas, transformando-as em “objetos” de dados para gerar lucro, o que compromete valores fundamentais como a dignidade humana.
É necessário e possível que organizações e sociedade resistam a esse modelo e busquem alternativas que respeitem a privacidade e os direitos dos cidadãos, propondo uma reformulação ética e jurídica das tecnologias digitais. Nesse sentido, Interfaces de Programação de Aplicação – APIs – mais amigáveis também podem contribuir, assim como relatórios de transparência aprimorados com mais informações sobre as práticas de moderação.
De fato, o ideal seria que, a par da regulação que virá, as empresas envolvidas antecipassem as mudanças requeridas, imbuídas do “dever de cuidado”, já adotado, por exemplo, em legislações como o “Online Safety”, do Reino Unido. Os cidadãos agradecem.
Edson Bündchen
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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